O mundo foi sempre um lugar assustador para as mulheres. O mundo com uma Internet desregulada tornou-se ainda mais perturbante e aterrorizador. As notícias reveladas recentemente acerca de grupos portugueses de Telegram, onde mais de 70 mil pessoas, na sua maioria homens, devassam a intimidade das mulheres e partilham fotografias íntimas sem o seu consentimento, é algo que nos deveria preocupar por muitas razões.
A primeira é que muitos destes homens estão a cometer crimes sob anonimato, que vão além da busca de prazer sexual ou do anseio de vingança de mulheres com quem se tenham relacionado. O que move toda aquela massa anónima é uma cultura de rebaixamento e humilhação da mulher. Sentem a sua masculinidade em perigo e precisam de se afirmar como superiores. Procuram sexualizar as mulheres que encontram nas ruas ou nas redes sociais, transformando-as num alvo de perseguição e assédio, ameaçando e destruindo as suas vidas.
Esta é uma cultura que incentiva homens a tirarem fotos de mulheres em lugares públicos ou a adotar práticas como o upskirting (tirar fotos debaixo da saia de uma mulher), já consideradas ilegais em certos países europeus. Ora, foi precisamente através da prática de upskirting, ilegal em França, que o marido de Gisèle Pelicot foi apanhado pela polícia, o que permitiu revelar ao mundo os horrores do caso da vila de Mazan.
Foi revelado em tribunal que o marido de Gisèle drogou a sua mulher durante anos e convidou estranhos, através de fóruns online, para a violar. Cinquenta homens estão em julgamento, num total de 72. Dezenas nunca foram apanhados.
Como pode uma comunidade seguir em frente sabendo que muitos dos seus homens estavam envolvidos em atos criminosos de enorme gravidade? Não falamos de homens que se apresentam como vilões no dia a dia, mas sim de pessoas que, aparentemente, têm vidas banais.
Que processo mental leva estes homens a banalizar uma violência grotesca como esta contra uma mulher? O que aconteceu para estarmos sujeitas a este olhar masculino cada vez mais desumanizador da mulher? Em que mundo vivemos para que as mulheres se tenham tornado uma ameaça à masculinidade, a ponto de muitos homens retirarem, secretamente, um enorme prazer secreto com a sua sexualização e humilhação?
Se este é o mundo em que passámos a viver, então, a legislação que temos está longe de proteger as mulheres de práticas cibernéticas de devassa da intimidade e de crimes contra a sua integridade física. Precisamos travar esta desumanização.