Acompanho com estranha estupefação a discussão em redor de uma putativa crise do centro direita, espaço entendido como abrangendo todas as forças politicas que recusam a política do atual governo apoiado pelos partidos de esquerda, dita a geringonça. Esta estranheza aumenta quando se alia a esta dita crise um movimento nunca antes observado de disputa por esta área. Isto é, desde que a reimplantação da democracia em Portugal nunca tantos movimentos, partidos e coligações aqui buscam espaço e mandatos parlamentares.
Ao contrário do que se discute e propaga, a anunciada perturbação no sistema politico ou do posicionamento partidário existe de facto, mas à esquerda. Do PS ao BE, passando pela CDU nunca houve uma crise tão profunda e marcada. O PCP que passa por um esperado declínio, com perda acentuada de influência e votos, vê o seu eleitorado fugir à mesma velocidade que perdeu autarquias e mandatos e os sindicatos próximos são preteridos por novos movimentos.
O BE, outrora revolucionário e radical, modera posicionamento e imagem, mantendo o discurso agressivo, na exata proporção que cresce a ambição de chegar ao poder. Antes, marchando contra o poder hoje crescendo em direção ao governo. O impensável há alguns anos em que a luta antissistema fazia parte do romantismo do seu combate.
O PS está ideologicamente em crise. Deseja conservar o poder a todo o custo, mas a inexistência de coluna vertebral ideológica é manifesta. Aliena o centro e vira-se para todos os quadrantes apenas para assegurar o poder, confundindo-se com este. Com um governo de atitude maioritária, com a maioria das autarquias, ensaia a regionalização, como alavanca de controlo do restante território. Com uma mão, segura as esquerdas mais escuras, com a outra executa a política europeia, num exercício de hipocrisia, decretando no poder políticas e práticas que renegou na oposição.
A esquerda no poder interiorizou os seus anacronismos e assumiu causas e práticas que nunca foram suas. A política deste governo assentou no controlo dos gastos através das cativações e a suspensão de investimento, na degradação sucessiva e absurda dos serviços públicos, visão de curto prazo para satisfação imediata de clientelas. O que motivou o descontrolo da divida pública, os custos com o pessoal, a desorganização dos serviços públicos e recusa da reforma na segurança social. A mudança de paradigma do governo é tal que, seguramente na próxima legislatura dará razão a Passos Coelho na questão da natalidade e adotará medidas de rejuvenescimento de políticas, mas como se fossem originárias da esquerda.
O governo falhou na Saúde, na Economia e nas Infraestruturas. Falhou e mudou de ministros. Mas falhou ainda na Educação e na Segurança Social onde não mudou de ministros, mas antes o tivesse feito. Falhou na Habitação e no combate à burocracia e à corrução, criando expectativa que gorou e nada concretizou.
Onde está a crise se não à esquerda, que vendeu ao demónio as suas causas e se converteu à economia de mercado, ao liberalismo na falta de controlo público, na inexistência de investimento reprodutivo para o futuro. A esquerda pensa no poder e não no país.
Neste final de legislatura é penoso assistir aos esforços tortuosos do PS e do BE desentendendo-se na lei de Bases da Saúde e a mão estendida do PCP ao Governo para a aprovação da lei de Bases da Habitação. No discurso e na prática as esquerdas estão diferentes e divididas. Por isso António Costa tanto deseja uma maioria absoluta. Para não ter de lidar com a esquerda, foco de conflito e contestação. Eis a crise. À esquerda.