1. Durante a guerra do Iraque, jornalistas norte-americanos fizeram a campanha no terreno a reboque da ofensiva militar do seu país. Viram a guerra pelo lado de uma das partes. Estabeleceram e assinaram compromissos para poderem lá estar. Acredito que uma parte significativa desses jornalistas tenha tentado, depois, em trabalho, fazer o necessário exercício de distanciamento em relação à dinâmica em que estavam inseridos; mas esses relatos não podem ter deixado de refletir os laços de proximidade e simpatia que inexoravelmente se estabelecem em condições tão adversas.

A expressão “jornalismo ‘embedded’” (‘encaixado’) vem daí. Em boa verdade apenas definiu uma relação que sempre existira antes, e em todas as guerras. Corresponde a uma realidade substantiva. Se na antiguidade o ‘rei’ ou o ‘senhor’ requisitavam os seus cronistas para que eles depois lhes pudessem cantar os feitos, a administração norte-americana tirou nesse momento as devidas ilações de campanhas anteriores: é sempre melhor procurar ‘encaixar’ os relatos que ficar à mercê do seu juízo independente. Nunca nos esqueçamos de como a opinião pública dos Estados Unidos foi marcada pela guerra do Vietname, na qual a imprensa, em pleno advento da televisão e marcada pela antiga força motriz da rádio, fora deixada à solta. Deu no que se sabe: uma América revoltada e crítica.

2. A pandemia de Covid-19 tem mostrado à cidadania e à política a importância de existirem empresas de comunicação social. Uma parte fundamental da ação governativa e da comunicação das autoridades de saúde, e em todos os países, tem aproveitado essa rede do jornalismo para chegar às pessoas. Creio que fez sentido. Se a essência do jornalismo é questionar o Poder de forma permanente e em todas as suas dimensões (política, religiosa, desportiva, social e outras) também pode ser aceitável que num momento de crise, neste caso global, se estabeleçam tréguas em relação à normalidade. Mas debaixo de uma certeza: a essência do jornalismo não é estar ‘embedded’ com o Poder. Períodos específicos dessa relação perigosa devem ser curtos, bem delimitados e alvo de declarações de interesse que não deixem margem para dúvidas.

Sem isso, acrescento – e é apenas uma opinião pessoal –, também pode tornar-se evidente uma certa vocação de algum jornalismo para naturalmente se deixar ‘encaixar’. No caso português, basta olhar para a estrutura acionista de alguns grupos, confirmar os seus interesses e pensar um pouco.

3. Nada disto que acabei de escrever conflitua com o que vou acrescentar agora: as empresas de comunicação social precisam de apoio. Nunca chegaram a tanta gente como hoje, e nunca tiveram tão pouco rendimento da sua atividade. A quebra abrupta da atividade económica reflete-se na publicidade. Se não se vende não se promove. O crescimento digital, lento e ainda retardado pela pirataria, não cobre, em qualquer marca, as perdas devidas ao negócio tradicional. Acredito que as vendas de março confirmarão esta tragédia anunciada.

Por várias razões, o setor dos media – como muitos outros – não pode deixar de ter um plano específico, urgente mesmo, que o ajude a passar esta conjuntura catalisadora de uma crise que é estrutural, bastante  profunda.

No âmbito dos impostos, da publicidade do Estado, dos portes pagos e de várias outras dimensões da vida destas empresas vai ter de se encontrar uma forma de ajudar à ultrapassagem da crise. Não se trata de através de um qualquer subsídio evitar a morte de algumas marcas cujo destino está traçado, até pela dívida acumulada. Trata-se de ajudar a que não morram, por questões conjunturais, de tesouraria, marcas que têm tudo para continuarem vivas e a prestarem um relevante serviço à sociedade, à Democracia. Só na Europa, olhem para a Polónia, para a Hungria e vejam se não é útil para todos que o exercício do Poder seja escrutinado.