A crise da habitação já ameaça a União Europeia. O anúncio da designação de um comissário para a Habitação por parte da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no seu discurso de reeleição é disso mesmo um exemplo. Este fenómeno está particularmente agravado em Portugal e tem afetado as pessoas de forma muito desigual. Quem já tem habitação está mais rico pelo aumento do valor do imóvel, enquanto quem procura casa não consegue encontrar habitação a um custo compatível com os seus rendimentos. Naturalmente que os jovens são, por isso, as principais vítimas da crise da habitação.
A desigualdade no acesso à habitação não se manifesta nem ameaça apenas a noção de propriedade e de direito ao lar, como é já hoje um forte inibidor do acesso à educação. Durante os estudos, é praticamente impossível encontrar um quarto no Porto ou em Lisboa por menos de 450 euros. Já quando se emancipam, os jovens deparam-se com um mercado onde um T1 no Porto pode custar facilmente mil euros, o que é insustentável para os 75% dos jovens que ganham menos do que isso. Medidas como a isenção de IMT e do imposto de selo e garantias bancárias são, por isso, cruciais para aliviar este fardo.
Importa, por isso, neste momento refletir quais os motivos que tornam o cumprimento do artigo 65º da Constituição da República, isto é, o direito à habitação digna cada vez mais complicado. A principal responsável é a falta de oferta, agravada em algumas regiões do país pelo excesso de turismo.
Qualquer estudante de Economia aprende na primeira semana de aulas que quando a procura aumenta sem que a oferta acompanhe, os preços sobem. Foi exatamente o que aconteceu no mercado da habitação.
Nos últimos anos, temos assistido a uma forte queda na construção de novas casas – entre 2000 e 2020, o número de construções caiu cerca de 85%. Esse declínio pode ser justificado em grande parte pela crise financeira, período em que os preços das casas desceram e os bancos tinham um grande stock de imóveis para escoar – em resultado de empréstimos que ficaram por pagar – o que fez com que as novas construções não fossem lucrativas.
Muitas construtoras tiveram dificuldades, e algumas até faliram. Em alguns casos, o know-how de construção foi em parte ou na totalidade deslocalizado de Portugal para outras economias o que condiciona a indústria atualmente pela falta de mão de obra qualificada e de empresas e investidores.
No pós-crise, a recuperação do setor foi muito lenta, com pouca capacidade operacional para retomar a construção de imediato e, como se sabe, os ciclos de construção são muito longos. Desde a aprovação do investimento, até ao licenciamento e construção final passa muito tempo.
Uma empresa que decida hoje construir novas casas, para responder ao aumento da procura, apenas terá as casas prontas alguns anos depois. Esta demora deve-se, em parte, à natureza do negócio da habitação, mas é também agravada pelos licenciamentos e morosidade dos processos hiper-burocráticos e acesso ao crédito limitado por parte de uma banca nacional avessa ao investimento e apoio à indústria e “viciada” no negócio fácil do empréstimo à habitação.
Ainda assim, Portugal é o país com mais casas por cada mil habitantes, com 5,859 milhões de fogos, segundo a OCDE que analisou os dados de 50 países. Contudo, 12,5% dessas casas, cerca de 750 mil, estão vazias, ainda que muitas delas estejam em áreas despovoadas. Além disso, Portugal tem a menor percentagem de fogos de habitação pública na Europa no conjunto do parque habitacional, cerca de 2%. É, portanto, necessário aumentar a oferta, mas o passado mostra que não haverá milagres: o último grande programa de habitação pública, o “Programa de Erradicação de Barracas” levou dez anos para construir cerca de 34 mil fogos.
Do lado da procura habitacional surgiu, nos últimos dez anos, o fenómeno do turismo de massas. O turismo é hoje o principal motor da economia portuguesa, representando 48% do crescimento económico em 2023, segundo o Instituto Nacional de Estatística.
Embora seja o “ganha-pão” de muitas famílias de classe média e tenha permitido a requalificação do nosso território, a dependência excessiva desse setor começa a mostrar sinais de saturação. Em algumas freguesias do Porto e Lisboa, há mais alojamentos locais do que casas disponíveis para os portugueses, o que acaba por desregular o normal funcionamento do mercado e aumentar de forma exponencial os preços das casas.
A crise da habitação é, sem sombra de dúvidas, o maior desafio da política pública atual. O fenómeno não é de fácil solução, mas a sua resolução começa com um diagnóstico preciso: o principal problema é a falta de oferta e o excesso de turismo não pode ser tema tabu. A solução exige um aumento da oferta pública, privada e cooperativa, com apoios específicos direcionados à procura e uma regulamentação local do turismo – nunca com soluções centralizadas em Lisboa.