Conta a fábula que ao ver um cordeiro bebendo no riacho, um lobo o acusou de estar a turvar a água que ele próprio bebia. O cordeiro argumentou ser impossível já que a água corria em sentido contrário. O lobo, que queria implicar, contrapôs que para além disso o cordeiro tê-lo-ia insultado na primavera anterior. “Impossível. Nessa altura ainda não tinha nascido!” – respondeu-lhe. “Pois então se não foste tu foi teu pai” – e degolou-o.

Em política este cenário acontece vezes sem conta, assumindo uns e outros à vez o papel de lobo e cordeiro, conforme se está no governo ou na oposição.

Nos últimos dias, as imagens de corredores a abarrotar de macas e camas improvisadas em diversos hospitais centrais, criaram nos cidadãos um sentimento de indignação e revolta. Dir-se-ia um cenário de catástrofe, levando as pessoas a questionar qual poderia ser a resposta destes hospitais no caso de uma efectiva situação de crise.

E esta não é a única  área em que se verificam situações de pré ou efectiva rotura. Ainda esta semana o centro nevrálgico do SEF, onde está sediado o servidor com dados essenciais à área da investigação e como tal com informação altamente reservada, esteve em real risco de colapso, com um enorme apagão que culminou uma série de pequenas ameaças de rotura que vinham a ser sentidas há semanas.

O caso foi tão ou mais grave porquanto a tentativa de resolução (como colocar remendo em pano velho?) teve como consequência a dispensa dos funcionários da Unidade Orgânica por impossibilidade de poderem trabalhar! Está bem de ver que este é um caso que não tem imagens chocantes como as do Serviço Nacional de Saúde, mas não deixa de ser de uma gravidade inaudita chamando à atenção para a situação de degradação e falta de gestão adequada dos serviços públicos.

Infelizmente não é caso único. Anos de desinvestimento no sector público levaram o mesmo a um perigoso nível de pré-rotura. A culpa foi da crise, da troika , do anterior governo, do ‘ante-anterior’, do Sócrates, do Durão Barroso, de D. Manuel I e assim indefinidamente até Adão, que devia ter ficado quietinho e em vez da maçã devia ter-se amanhado com uma chispalhada no restaurante mais próximo!

Ironias à parte, é confrangedor este passa-culpas de uns e de outros, esta dança de cadeiras que faz alianças onde havia ódios de estimação e vice-versa, apenas e só pelo penacho e vil metal. São poucas, embora honrosas, as excepções a esta regra. Perdeu-se a noção e o sentido de “serviço público”. Talvez seja um mal-entendido semântico, mas grande parte dos gestores públicos lê a missão como “servir-se do público”, e o resultado está à vista.

Evidentemente que não se pode resolver em poucos meses ou mesmo em escassos anos o descalabro herdado. Diz o povo que “Roma e Pavia não se fizeram num dia”, embora acrescente sabiamente “mas arderam numa noite”. Destruir é fácil, construir é bem mais penoso. Sobretudo quando se incorre nos mesmos erros e se tem como material humano mais do mesmo.

É urgente renovar, ter a coragem de inverter este paradigma que destrói não apenas as estruturas mas a confiança dos cidadãos no Estado, cuja capacidade em assegurar a Segurança e a Saúde parece estar em causa.