Lentamente este Governo cai no embaraço por falta de capacidade política de muitos dos seus membros. Ao fim de pouco mais de oito meses é notório o cansaço ou erro de casting nas escolhas. Não fosse a crise e o sublimado consenso nacional no combate à pandemia e o primeiro-ministro estaria perante um dilema, de assumir que em meses o Executivo se esgotou e estaria já a ponderar alterar a sua estrutura e composição.
Tirando os ministros mais políticos, caso da Administração Interna, Negócios Estrangeiros, Defesa e Economia, todos os demais se têm relevado de uma significativa inexistência política. Do ministro das Finanças nem falaremos, dado que esse se remodelou a si mesmo. É poucochinho para quem tem orçamento há pouco mais de um mês. E não serve aqui nenhuma desculpa de vírus, exceto se este atacou discreta mas profundamente a capacidade governativa. Não há uma ideia, um assomo, um ensaio para rasgar o cinzentismo. Não fora António Costa desempenhar um papel de rolo compressor, de ocupação do espaço público e dir-se-ia que o Governo ainda está confinado.
Há ministros que dificilmente reconhecemos e outros que se tornaram irreconhecíveis, como é o caso da ministra da Cultura, cada vez mais isolada e prova de que ser vereador em Lisboa é diferente de ser membro de um governo. As propostas e medidas deste Ministério produziram reações negativas em cadeia, desde a iniciativa TV Fest aos polémicos apoios à comunicação social. Em comum todas as iniciativas pareciam privilegiar alguns, em detrimento do interesse geral.
Há sectores que desaparecem soterrados pela crise: planeamento, agricultura, coesão, infraestruturas. De acordo com a lei orgânica do XXII Governo tem ministros, mas a maioria dos governantes nem os reconhecemos.
A educação surpreendeu com uma eficácia interessante na resposta ao encerramento das escolas. Já o ensino superior aparenta estar desaparecido. O turismo, que não tem ministro no presente executivo, embora o sector seja um dos maiores contribuintes para o PIB, perdeu dimensão e visibilidade nas opções políticas do Governo, no momento em que mais importa encontrar caminhos para a retoma e onde urge uma palavra de fé para todos readquirirem confiança.
Esperamos que a crise se desvaneça rapidamente. E, com essa luz, aproveitando a saída anunciada de Mário Centeno, o primeiro-ministro realize uma profunda remodelação que permita realizar a governação.
O verdadeiro desafio está em dispor de uma máquina capaz para a recuperação do país e de responsabilidade perante a presidência portuguesa da União daqui a seis meses, por ora sem estratégia nem perspetiva para o futuro próximo. Temos reclamado apoios estruturais, mas devemos estar preparados para mostrar que estamos comprometidos com a Europa como projeto, para além da dimensão financeira. Não podemos arriscar afundar uma oportunidade coletiva.