Na política, o pedido de desculpas é um dos atos mais difíceis. A contrição é uma ação contranatura para a maior parte dos que vivem nessa arena, habituados que estão a abraçar os sucessos e a passar as culpas para os outros, sejam eles adversários ou conjunturas.
Nos Estados Unidos, o único verdadeiro e sentido pedido de desculpa de um presidente à população veio de Richard Nixon, que já tinha sido despejado do cargo e não tinha nada a perder. Barack Obama pediu algumas meias-desculpas pouco credíveis, Donald Trump obviamente nenhuma, enquanto George W. Bush e Bill Clinton ficaram-se pelo “assumo responsabilidades, cometi erros”.
Foi essa última modalidade a adotada há duas semanas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, em entrevista à CNN, dizendo que o Governo cometeu erros e assume a responsabilidade no agravamento das situação pandémica no país. E isto só depois de tentar atribuir a responsabilidade a uma coisa invisível – a nova estirpe britânica da Covid-19.
No final de janeiro, António Costa, a quem não faltam oportunidades para falar diretamente aos portugueses, optou por ir a um programa de comentário televisivo, no qual até já teve um lugar cativo, para admitir que na terceira vaga as coisas estão a correr muito mal, e que houve “alguns” erros na gestão da pandemia e sobretudo erros na “transmissão da mensagem”.
Quem se recorda do comportamento insensível do primeiro-ministro aquando das tragédias dos incêndios em 2017 (“se quiserem mesmo eu peço desculpa”) não está à espera que venha pedir perdão.
Mas é pena, porque um pedido curto, mas genuíno, teria feito bem ao Governo, mostrando que, tal como nós, são pessoas a lidar com uma situação nova e extremamente difícil. E teria sido bom para nós, para sentirmos que não nos estão a fazer de parvos. Porque é precisamente isso que quiseram fazer ao tentar explicar o inexplicável.
Vamos pôr isto de forma clara: não há razão nenhuma, natural ou geográfica, que explique o facto de Portugal ter tido os piores números da pandemia no mundo.
Há sim, razões políticas, ou melhor, de péssima gestão política. A indecisão, velha amiga da complacência, foi evidente. Fica em casa, sai de casa, podes ir de manhã, não podes ir de tarde, permanece no concelho, pode sair do concelho, vai no Natal, mas fica no Ano Novo.
Se a mensagem foi por vezes difícil de transmitir, foi porque muitas vezes era a mensagem errada, de meias medidas nascidas do medo do dano político e económico. O caso da demora em fechar as escolas foi gritante, como todos os dados de janeiro comprovam. Na indecisão dos especialistas esteve a desculpa do Governo para agir pela via mais fácil. Tragicamente saiu o tiro pela culatra.
A polémica dos computadores para os alunos veio mostrar o pior aspeto da gestão da pandemia – a tal complacência. Se olhar para janeiro só traz tristeza, olhar para os meses anteriores só traz desilusão. Porque nos apercebemos que não foram só os portáteis para os miúdos que não foram encomendados, foram ignoradas ou adiadas todas as medidas de capacitação do sistema de saúde, para que fosse capaz de aguentar uma terceira vaga forte.
Não sabemos se a responsabilização por estes erros virá nas urnas já em setembro ou em 2023, mas muita água passará por baixo da ponte entretanto. Contudo, teria sido um consolo ouvir simplesmente alguém do Governo dizer “a culpa é nossa e vocês é que estão a pagar, desculpem”. Mas é capaz de ser pedir muito.