“Cultura não é ler muito, nem saber muito; é conhecer muito”, Fernando Pessoa
A ênfase na cultura como fator de sustentabilidade ainda é muito recente, especialmente nas políticas públicas. O seu desenvolvimento pode ser um importante factor no período em que vivemos, pois não se cinge a um segmento específico, mas permeia diversas acções da sociedade; lida com a criatividade que transita entre o novo e o antigo e impulsiona a sociedade a construir um quadro de referência com relação ao seu futuro.
Apesar de raramente pensadas em termos de sustentabilidade, as políticas culturais são de extrema importância, porque as suas ferramentas de intervenção geralmente aproximam-se da subjetividade humana, como componente fundamental da articulação ético-política capaz de conciliar o desenvolvimento com o crescimento económico.
Sabe-se que a cultura muda muito lentamente. Apesar da perspetiva do desenvolvimento sustentável pressupor uma atitude psicológica essencialmente futurista, é praticamente impossível que qualquer geração seja capaz de prever todas as contingências implicadas na evolução cultural. Mas, à medida que o indivíduo se consciencializa da repercussão dos seus actos nas gerações futuras e se preocupa com isso, desenvolve-se uma preocupação através das gerações capaz de observar uma responsabilidade comum.
Para alcançar esse estado ideal, o desenvolvimento cultural deve partir do reconhecimento dos cenários nos quais os actores sociais interagem, constroem espaços, mudam os valores e os “olhares“ sobre a vida em sociedade.
A partir daí, incentivar o desenvolvimento da cultura não corresponde a apenas realizar produtos com viabilidade de mercado que deem visibilidade a empresas, muito menos a vender a cultura como um produto a ser consumido. Trata-se de compreender a cultura como um processo de criação de significados que oferecem sentido ao modo de vida das comunidades humanas.
Pensar na cultura como factor de desenvolvimento, significa valorizar identidades individuais e colectivas, promover a coesão em comunidades e levar em consideração que as características da cultura podem ser um factor de crescimento num determinado espaço. Assim, não há fronteiras territoriais. A cultura é tão essencial em grandes metrópoles como em áreas rurais. Em cada local, diferentes agentes são envolvidos, com tarefas e formatos variados e, consequentemente, resultados distintos. Mas os processos são sempre muito similares, envolvendo, parcerias de médio e longo prazos, dos agentes públicos, privados e do sector terciário.
O papel fundamental da cultura pode beneficiar o desenvolvimento de outras políticas públicas, acentuando a sua eficiência, tanto nos aspectos económicos, como nas dimensões social e ambiental. Diversos trabalhos desenvolvidos pela Unesco ressaltam que, especialmente nas chamadas “zonas periféricas“ da Europa Oriental, o desenvolvimento não caminha sem uma especial ênfase no desenvolvimento da cultura local, ou seja, é preciso reforçar a consciência dessas culturas em relação ao seu desenvolvimento.
Existem diferentes frentes nas quais as políticas públicas culturais podem agir. Os trabalhos artísticos são uma delas. A arte, entretanto, é exemplar quando confere um novo tipo de signo à existência e opera transformações a partir de linguagens que valorizam a vida como um todo e criam um outro discurso, diferente daquele que já não sabe comunicar-se ou que se comunica mal com a sociedade.
A arte é constituída pela vida social e impulsiona relações entre pessoas e grupos, renovando vivências, laços de solidariedade, criando imagens imprescindíveis para o conhecimento de si mesmo e do outro, e contribuindo para a criação de um rico imaginário local apoiado nas raízes e na criatividade coletivas.
Ainda pouco explorados nas acções promotoras da sustentabilidade, temos os trabalhos artísticos que tocam o imaginário e a subjetividade humana e que fazem parte de um importante registo ecológico das nossas acções. Isto porque as novas ideias são visões imaginativas originais, não somente porque elas envolvem imagens particulares inéditas, mas no sentido de que envolvem mudanças na nossa visão do mundo, a forma geral pela qual percebemos a vida.
A imagem da máquina, por exemplo, transformou a visão do mundo profundamente durante a Renascença, sobretudo porque as máquinas estão sob o controlo humano. E a ideia de se poder separar essa máquina (o mundo) em partes é o que fez a ciência parecer possível. E precisava parecer possível na imaginação, antes que qualquer pessoa começasse efetivamente a praticá-la. O mesmo pode ser válido para o desenvolvimento sustentável: primeiro é preciso imaginá-lo possível.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.