Com o fim da Guerra Fria julgou-se que a conflitualidade que dominou grande parte do final do século XX estava limitada. Durante alguns anos, o palco onde se defrontavam blocos e nações pareceu acalmar e reduzir a animosidade em troca da paz. Chegou a associar-se este espírito à globalização e o fim das fronteiras representava um símbolo de entendimento entre os povos.

Contudo, o advento do novo século trouxe-nos uma realidade bem cruel, onde a conflitualidade deixa de estar centrada nos países e no poder político, para transitar para um domínio menos organizado, mais disperso, menos controlado e, consequentemente, mais perigoso para o cidadão.

Sempre houve terroristas. Mas o terrorismo foi durante anos associado a movimentos políticos e com matriz ideológica que visavam o poder. Eram movimentos com objetivos, com sentido, com personalidade. Recordemos as Brigadas Vermelhas, a ETA ou o IRA (todos com muita criminalidade mas com a preocupação de justificação). Podíamos discordar e condenar a sua prática, mas os motivos eram inteligíveis.

O terrorismo dos tempos modernos, cuja forma principal foi assumida pela Al-Qaeda, personalizada em Osama bin Laden, tornou-se figura incontornável de atenção mundial, com o ataque às Twin Towers em setembro de 2001. A partir daqui, a generalidade das pessoas passou a associar o assassínio sem sentido e sem razão ao novo método de intervir.

Múltiplos atos e duas décadas depois, o terrorismo continua ininteligível. Esforçamo-nos em vão por encontrar um conteúdo lógico, racional e um propósito. Não há justificação para que alguém pegue numa arma – metralhadora, faca ou camião –, faça detonar uma bomba ou concretize uma decapitação. São atos sem ideologia ou sustentação e sem qualquer dimensão humana.

O que leva alguém a radicalizar-se, seja em nome de que purismo for, não é ato de humanidade. Alguém que pega num instrumento com o propósito apenas de matar, seja quem for, seja onde for, deixa-nos perto da irracionalidade própria dos animais. Porventura precisamos de recrutar para tratar da humanidade, mais do que para salvaguardar direitos para os animais, quando aquela ainda não se respeita a si mesma.

Acordamos hoje e não nos surpreende a notícia de um novo ataque, um novo derramamento de sangue. Mais uma vez, inútil e sem sentido – como todos são. Famílias que acordam felizes acabam marcadas pela fatalidade. Isto acontece em nome do ódio – ódio ao ser humano, ao seu semelhante. Em nome deste sentimento praticam-se atos de crueldade, de maldade pura, levando ao extremo pretensas convicções que ultrapassam qualquer conceito de convivência humana.

Cento e cinquenta anos depois do fim da pena de morte e da escravidão, um século volvido sobre o reconhecimento do direito a voto plural, cinquenta anos depois sobre as conquistas dos negros de parte dos seus direitos, em nome do ódio põe-se em causa a igualdade de género, de pessoas e povos, de religiões.

O tempo, esse grande escultor, como diria Marguerite Yourcenar, nada ensina à humanidade. Regredimos aos tempos da pedra para resolver divergências humanas. A mensagem de ódio não pode continuar a ser propagada em atos de interesse ou de informação, pois apenas conduz à majoração do sentimento extremo de vingança. A cultura da civilidade deve beber nos ensinamentos da história para não permitir que alastrem estes sentimentos que levam ao compromisso de travar o radicalismo. O apelo a um ambiente melhor e ao cuidado da natureza nada interessa se não cuidarmos em simultâneo da humanidade. Este é um desafio que cabe a todos responder.