A Cultura continua a viver nas margens. Todos os dias assistimos ao esforço sobre-humano dos trabalhadores da área da Cultura para manter o sistema vivo.

Falamos de um setor em grande parte dependente de subsídios que não chegam para todos, com leis de mecenato que não funcionam, com estatutos profissionais do trabalhador incompreensíveis e ineficientes que não os libertam da precariedade, com dificuldades excessivamente burocráticas e à mercê de dirigentes politizados que pouco compreendem dos assuntos que têm entre mãos.

Qualquer conversa com criativos e agentes de Cultura em Portugal irá facilmente identificar todos os aspetos que referi, de uma forma ou de outra. No entanto, a Cultura vai-se fazendo. Porque em Portugal existiu sempre uma forma de trabalhar e de se ir fazendo o impossível, sabe-se lá como e por que meios.

Estarmos integrados numa rede europeia trouxe benefícios incalculáveis, sendo uma rede muito mais consciente das inúmeras vantagens que o setor cultural traz para a Economia. E são essas redes de apoio europeias e internacionais que vão permitindo que os nossos criadores vinguem lá fora. Aliás, muitas vezes vingam primeiro lá fora para, depois, conseguirem abrir portas em Portugal.

Chegarmos a 2023 ainda com esta forma de pensar em relação à Cultura não é um bom sinal. A fragilidade no setor é enorme, especialmente a nível laboral. A pandemia arregimentou os trabalhadores e fortaleceu as suas reivindicações, mas o sistema e a forma como os decisores políticos continuam a ver a Cultura mantém-se inalterada, para frustração de todos.

Uma visão economicista, que não permite gastos supérfluos e que mede o sucesso de um evento pelas receitas que geram as bilheteiras, como se esse fosse o único indicador possível para um serviço cultural de qualidade. E nem sequer vou aqui abordar outros problemas graves, como os desequilíbrios regionais ao nível da oferta, a baixa participação cultural e a falta de representatividade.

Quem atribui mundos e fundos é rápido a afirmar que agora há mais dinheiro do que havia antes e, no entanto, esse dinheiro não chega para todos, mesmo para aqueles que já estão há décadas a contribuir para a dignificação das Artes e da Cultura em Portugal. Ainda assim, milhões são canalizados, através de ajustes diretos, para infraestruturas e eventos de cariz religioso, alimentando uma raiva perigosa.

E assim continuamos até que, de súbito, ganhamos distinções internacionais. Ainda na semana passada tivemos a excelente notícia da nomeação de uma curta-metragem de animação para os Óscares. Foi o primeiro filme português a alcançar tal reconhecimento. E por falar em animação portuguesa, muito embora esta não tenha distribuição nas salas comerciais, por acaso sabe o leitor que a indústria portuguesa de animação tem sido uma das mais premiadas a nível internacional?

Dizem-nos que o setor cultural é extremamente vibrante, mas que não é rentável por baixos índices de participação cultural dos portugueses. Talvez seja altura de inverter este pensamento. Haverá interesse pela Cultura se investirmos seriamente nela e a fizermos chegar a toda a população. Este trabalho não se faz da noite para o dia, precisa de continuidade. É, pois, tempo de apoiar os profissionais da Cultura nessa missão e não de colocar nos seus ombros o peso de estarem constantemente em busca de financiamento.

A Cultura não tem de se ir fazendo, tem todo o direito a existir sem remendos.