Em 2016 a Comissão Europeia (CE) acusou a Google de violar as regras de concorrência por práticas relativas ao seu sistema operativo Android. A semana passada confirmou a acusação e aplicou-lhe uma coima de 4,34 biliões de euros. Em 2016 tive a oportunidade de escrever que a acusação da Comissão inspirava dúvidas. Hoje, com a informação disponível (o texto da decisão ainda não é público), a minha opinião não mudou.

Os dispositivos móveis, como os smartphones e os tablets, necessitam de um sistema operativo. Entre os fabricantes de dispositivos móveis há os que utilizam sistemas operativos próprios, como a Apple (iOS) e a Blackberry, e os que procuram um no mercado. Para estes, as principais escolhas são (a) comprar uma licença Windows à Microsoft; ou (b) o sistema Android, da Google, de código aberto e gratuito. Esta é, sem surpresa, a solução mais popular.

A CE condenou a Google, entre outras práticas, por exigir aos fabricantes de dispositivos móveis que pretendam disponibilizar a Play Store que pré-instalem os browsers Google Search e Google’s Chrome. A CE vê aqui um clássico tying. Entende que a Google está a alavancar o poder que tem no mercado do sistema operativo Android e das app stores para androides para cimentar a posição no mercado dos motores de pesquisa na Internet. Todavia, por agora, não é claro que a CE tenha ponderado tudo o que devia.

Esta não é a primeira decisão de tying da CE. Basta recordar o caso Microsoft em que o Windows e o Media Player eram vendidos em conjunto. No entanto, o Windows era omnipresente em qualquer computador. Considerar a Google quase monopolista no mercado dos sistemas operativos licenciáveis e no das app stores quando sabemos que a Apple e a Microsoft estão no mesmo negócio (a primeira não licencia, a segunda cobra), que os principais clientes do sistema Android são gigantes como a Samsung ou a Nokia, que a tecnologia do sistema Android é de código aberto (pode ser usada por qualquer um) e que a todo o momento pode surgir uma versão melhor no mercado, não é exatamente a mesma coisa. A CE parece ter explicações para dar.

Por outro lado, a alavancagem em causa parece ser “em sentido inverso”. Segundo a CE, o produto onde a Google tem sido verdadeiramente indiscutível, o motor de busca, é que estará aqui a ser ajudado pela Play Store. Porém, para o consumidor, é o motor de busca que é insubstituível. A Google nasceu precisamente como motor de busca, afirmou-se com um algoritmo de pesquisa mais avançado e é neste mercado que realiza a grande maioria das suas receitas. Se amanhã surgir um motor de busca melhor do que o da Google, vai singrar. Com ou sem pré-instalação nos dispositivos móveis.

Como referi noutra ocasião, a CE está a intervir num dos mercados em que mais inovação se tem registado, onde os ciclos tecnológicos são mais curtos e o poder das empresas mais efémero. A Palm, a Nokia, a Apple, a Blackberry e agora a Google têm sido, em ciclos diferentes, as empresas preponderantes nos últimos anos. A concorrência parece funcionar e os consumidores beneficiar com isso. Por isso, esta coima faz mesmo sentido?