A DeFi é tão antiga como a própria blockchain e já aqui discutimos a sua tremenda inovação nos mercados não-regulados. Tudo começou com a Bitcoin, e a inovação rapidamente se expandiu com funcionalidades equivalentes aos mercados de capitais tradicionais. Durante anos, parecia que a web3 estava confinada a uma utilização exclusivamente não-regulada dada a tokenização do direito com chaves criptográficas pseudoanónimas.

Para alguns, estaria até na mira a migração da economia incumbente, ou pelo menos parte dela, para uma web3 não-regulada. O tema assustou naturalmente políticos e reguladores, dado o risco de se ir perdendo o controlo das transacções económicas. Por exemplo, o que acontece quando há abuso por parte das entidades responsáveis pela gestão de activos financeiros?

Quando a entidade gestora é regulada, esse investimento é segregado dos seus próprios activos e os responsáveis da empresa gestora são imputáveis em caso de fraude. Repare-se que não se está a falar do investimento em si, mas da sua gestão. Por exemplo, na queda do BES, só os investimentos tóxicos é que trouxeram problemas aos investidores, tendo essa entidade gestora responsabilidades no mau aconselhamento e na oferta de produtos financeiros próprios e fraudulentos. Mas os investimentos financeiramente saudáveis em acções, obrigações, fundos ou derivados, passaram incólumes apesar da insolvência do banco.

Já com uma entidade não-regulada, ou mal regulada, como foram os exemplos da falência do Celsius, do FTX e da implosão UST-LUNA, pouco há a fazer quanto aos criptoactivos desperdiçados, pois as políticas de provisionamento, liquidez e gestão de risco não têm qualquer supervisão. Porém, há quem prefira as características pseudoanónimas do investimento na DeFi, para além dos altos ganhos potenciais de mercados com o elevado risco associado ao eldorado dos criptobilionários relâmpago. Cada um é senhor de si e é livre de investir onde bem entender.

Mas a web3 está a mudar rapidamente a realidade dos mercados regulados incumbentes, cuja dimensão é a das economias dos próprios Estados. Repare-se que até a DeFi aí está consagrada como investimento, reserva de valor e respectivas mais-valias.

Por exemplo, a partir de Julho de 2024 já temos Euros digitais suportados pela web3 a circular na economia regulada. E estamos prestes a tokenizar acções, obrigações e fundos com unidades de participação, assim que os primeiros fornecedores destes serviços na União Europeia vejam as suas licenças aprovadas ao abrigo de uma legislação que já o permite em todos os Estados-membros.

Além disso, também já temos uma estratégia portuguesa nacional concebida para podermos usufruir em escala das fabulosas propriedades da web3 em todas as transacções económicas sem excepção. Espera-se apenas que o Governo actual não tarde a colocá-la em prática.

Assim, sabendo que a DeFi vai continuar o seu extraordinário caminho de inovação, e que a web3 vai ocupar o seu espaço na economia regulada, a começar pelos mercados de capitais, que futuro para estes dois mundos aparentemente díspares?

A primeira constatação é a forma comum como se vai passar a interagir com ambas as realidades. Desta feita, tudo passará pela utilização das walletaqui discutidas. A diferença estará apenas no tipo de token a manipular. É tão simples quanto isso. No caso da economia regulada, esses token são certificados por lei, incluindo a identidade dos utilizadores.

Assim será também com os ativos a negociar nos mercados de capitais, a começar já em 2025 com acções, obrigações e fundos. Espera-se que os outros tipos de ativos financeiros possam vir a ser tokenizados num futuro próximo. E o mesmo acontecerá com outros ativos reais que carecem de registo na economia regulada, conhecidos em inglês por Real Wold Assets (RWA).

A inovação subjacente a esta quarta revolução industrial será plena de oportunidades, sobretudo com a viabilização de novos modelos de negócio. Não se trata apenas de transacções mais eficientes e com menos fricção, o que por si só já será extraordinário. Trata-se de inventar um futuro mais seguro, mais conveniente, e com utilidade acrescida. Viva a web3.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.