Desde as alterações introduzidas em 2007 ao Código de Processo Penal (CPP) aprovado em 1987, que a regra nos processos crime é a da sua publicidade, “salvo as exceções previstas na lei”. Antes daquela alteração de 2007, o processo só era público a partir da decisão instrutória do Juiz ou uma vez transcorrido o prazo para a abertura da instrução sem que a mesma tivesse sido requerida. As “exceções” previstas na lei são aquelas que decorrem da sujeição do processo a segredo durante a fase de inquérito quando o Juiz de instrução entenda que a publicidade prejudica os direitos dos sujeitos processuais. Ou, quando o Ministério Público considere o segredo fundamental para salvaguarda dos interesses da investigação, ou, quando entenda que os interesses das vítimas assim aconselham, embora nestes casos, da iniciativa do Ministério Público, o segredo esteja sujeito a validação pelo Juiz no período de 72 horas.

Contudo, mesmo nos casos em que segredo de justiça tenha sido decretado, tal não afasta a faculdade conferida por lei às autoridades judiciárias de prestarem esclarecimentos públicos sobre o processo. Na verdade, e na esteira de uma alteração introduzida em 1998, a redação de 2007 do CPP em matéria de publicidade e segredo do processo consagrou a possibilidade de “prestação de esclarecimentos públicos pela autoridade judiciária, quando forem necessários ao restabelecimento da verdade e não prejudicarem a investigação”, seja “a pedido de pessoas publicamente postas em causa”, seja para “garantir a segurança de pessoas e bens ou a tranquilidade pública”.

Ao abrigo desta previsão normativa, tem-se tornado habitual que nos casos ditos mediáticos, com fundamento na possível perturbação da tranquilidade pública, o Ministério Público emita comunicados com o objetivo de esclarecer a opinião pública sobre diligências já levadas a cabo e sobre os crimes que se encontram a ser investigados. Percebe-se a utilidade de tais esclarecimentos nos casos de maior mediatismo, em que o aguçado interesse da opinião pública leva os diversos meios de comunicação social a emitir notícias sobre os mesmos dias a fio. O que já não pode merecer semelhante compreensão é que se torne corriqueira a dita faculdade de “esclarecimento” da opinião pública. E, na verdade, se consultarmos alguns sites oficiais na internet de algumas autoridades judiciárias, deparamo-nos diariamente com um verdadeiro “desfile” de comunicados ditos informativos sobre os mais variados ilícitos típicos em investigação.

Ora, o caráter habitual, mesmo diário, destes comunicados, faz com que mesmo nos casos em que a justiça não está mediatizada, passe a partir desse momento a estar. Acresce que, estes esclarecimentos são feitos na perspetiva de quem investiga, sem que os arguidos visados nos processos cuja identidade é, na generalidade dos casos, relevada pelos media, tenham a faculdade de, ainda que, sumariamente, apresentar a sua versão dos factos. Cabe perguntar onde fica o princípio constitucionalmente consagrado da presunção de inocência dos visados até decisão judicial transitada em julgado. Pura e simplesmente, não existe.