Até final do ano os eleitores de dois dos mais relevantes Estados europeus vão voltar a ser chamados às urnas para tentarem desbloquear situações de impasse político que as respetivas classes políticas provocaram e das quais, manifestamente, não conseguiram de­sembaraçar-se.

O curioso e paradoxal dos dois sufrágios que se avizinham,  em Es­panha no próximo domingo e no Reino Unido no próximo dia 12 de dezembro, é que não é expectável que, em qualquer deles, o eleitorado promova constituições de parlamentos deveras distintas daquelas que se conhecem aos dias de hoje.

Nessa medida, sendo ambos os atos eleitorais antecipados e ocorrendo antes das datas previstas, não podemos dar por absolutamente excluída a possibilidade de se concluir que os mesmos não serviram para nada ou, dito de outra forma, não obriguem à formação de entendimentos e maiorias parlamentares já possíveis de formar com as composições que se conhecem quer do Congresso dos Deputados de Madrid quer do Parlamento de Westmister.

Em Espanha, depois das últimas eleições gerais ganhas pelos socialistas com uma maio­ria tão-só relativa e com a recusa de Pedro Sánchez em formar um governo “à portu­guesa” – que passaria por um acordo de coligação ou apenas de base parlamentar com a extrema-esquerda e os nacionalistas bascos e catalães – a que se soma a crise independentista da Catalunha e a sentença condenatória dos autores do referendo de 1 de outubro de 2017, por duas vezes o Parlamento se mostrou incapaz de aprovar um novo governo para o Estado central restando o recurso, uma vez mais ao voto popular para deslindar o imbróglio.

As mais recentes sondagens mostram que nada de substan­cial se deverá passar quando houver lugar ao apuramento dos votos, sendo que a única novidade que poderá marcar a noite eleitoral poderá vir a ser o reforço da direita parla­mentar e do VOX, que poderá quase duplicar os 24 assentos parlamentares de que atu­almente dispõe.

É o sistema dos vasos comunicantes a funcionar a favor da extrema-direita pelo insucesso socialista da mesma forma que há sete ou oito anos funcionou a favor da extrema-esquerda do Podemos, aquando do descalabro da governação do Par­tido Popular. Há leis que julgamos serem só da física, mas que a política teima em repli­car de uma forma deveras constante.

Três alternativas, e apenas três, parecem adivi­nhar-se a menos de uma semana das eleições: a formação de um governo liderado pelos socialistas com o apoio da extrema-esquerda e dos nacionalistas (aquilo que Sánchez recusou há meia dúzia de meses); a formação de um governo do centrão político com um acordo entre socialistas e liberais (“Ciudadanos”); ou, hipótese aventada já em al­guns debates de campanha eleitoral, a realização de um novo e terceiro sufrágio. Daqui não deveremos ter hipóteses de evoluir e por uma destas soluções haverá de passar o futuro político de Espanha.

Já no Reino Unido a chamada às urnas tem um nome, uma causa e um motivo – ainda e sempre o malfadado Brexit em que os britânicos se deixaram envolver e de que, consa­bidamente, deram provas e mostras de não saber como sair.

Com um governo a fazer da saída do Reino Unido da União Europeia a sua bandeira e o eixo do seu mandato, mas com um Parlamento a não ser capaz de definir com clareza os termos, os moldes e os tempos dessa saída, depois de dois acordos celebrados entre dois primeiros-ministros e a União Europeia terem sido reprovados por quatro vezes na Câmara dos Comuns, tor­nou-se manifesto e evidente a incapacidade das instituições britânicas em desatarem o nó do imbróglio.

Da mesma forma que se ia tornando cada vez mais claro que a hipótese restante para deslindar tamanho sarilho passaria por voltar a dar a palavra ao povo – a esse mesmo povo que, de forma acrítica, impensada e irrefletida, havia escolhido sair da União Europeia.

As duas alternativas que se foram perfilando oscilavam entre voltar a consultar o povo em novo referendo sobre a mesma matéria ou sobre a recomposição da própria Câmara dos Comuns. Foi nesta possibilidade que, depois de várias derrotas sofridas no Parlamento, Boris Johnson apostou todas as fichas – e acabou por levar a sua posição avante, pese embora todos os contorcionismos políticos de um débil Jeremy Corbyn, um dos mais radicais líderes dos trabalhistas britânicos que, apesar de anos na oposição a governos conservadores, não se manifestou capaz de apro­veitar o desgaste daí derivado, pouco mais lhe restando do que bater-se por um (nas condições atuais) pouco honroso segundo lugar nos sufrágios.

Como, pese embora a particularidade e singularidade do sistema eleitoral britânico, parece afastada a possi­bilidade de os Conservadores beneficiarem de uma maioria absoluta nos Comuns, eis-nos volvidos à necessidade de coligações e entendimentos pós-eleitorais em que ques­tões como a da Irlanda do Norte, a da reunificação das duas Irlandas ou a da indepen­dência da Escócia não deixarão de estar presentes. Sempre e a pretexto da saída do Reino da União. Como já várias vezes o escrevemos, não poderemos dar por adquirido que o Reino saia da União mas que também deixe de ser unido….

Em qualquer dos casos – espanhol e britânico – a democracia apresta-se a passar por tempos difíceis e seguramente irá ser posta à prova em todas as suas dimensões. Resta-nos confiar que conterá em si os necessários mecanismos para fazer face aos desafios com que irá ser confrontada. Ou não fosse, como nos ensinou Churchill (bem a propó­sito…) o pior sistema de governo dos povos, com exceção de todos os restantes.