Uma das notas principais com que este período de pré-campanha nos tem brindado é o discurso do Bloco de Esquerda. Catarina Martins esforça-se para mostrar ao país e principalmente a António Costa que tem ali os parceiros ideais para apresentar um programa reformista e nem o PS se convence desse caminho.

Na última convenção do Bloco ficou clara a ambição quase impertinente de chegar ao governo. O deslumbre criado nesta legislatura era tal que se faziam conjeturas sobre quais as pastas que poderiam ocupar num governo pós-geringonça. Poucos foram os que quiseram acreditar que o tempo da oposição estava ultrapassado e que o passado nascido de partidos radicais de extrema-esquerda e dissidentes de partidos radicais deseja entrar para o arco dos partidos do governo.

Inebriados pelo perfume do poder, no regresso ao espírito de esquerda caviar, o Bloco recria um discurso moderado, quase encantado, qual sereia a segredar aos ouvidos de um Ulisses socialista, entoando um apelo de parceria com o Zé Povinho.

O ensaio tem sido quase fulgurante. O Bloco apresenta-se ao PS como aquele que dará uma dimensão social-democrata ocupando um espaço outrora de centro do espectro político. Por fim, Catarina candidata contrasta com o seu adjunto Mamadou Ba, procurando remissão depois do feio insulto as forças de segurança.

No meio desta vertigem há momentos de regresso ao passado. As origens marcam. Ergue-se uma arma de arremesso contra os gigantes da energia, donos das barragens que consomem a água por evaporação, novos adversários de pedra contra quem se devem erguer as espadas de D. Quixote de la esquierda.

E logo erguem lanças contra os detentores do capital esgrimindo furiosamente a ameaça da nacionalização para resolver de vez os problemas da energia, do ambiente, do capitalismo e da presença externa no país – quatro em um. Uma proposta irrecusável. Reescreve-se a historia do Syriza como no processo que o levou ao poder e o transfigurou em partido do sistema, descarrilando nas eleições gregas seguintes.

Mas não se fica por aqui o delírio bloquista. No afã de ser o primeiro entre os mais pequenos, nada como demonstrar que o PAN alinha à direita em propostas sobre a segurança social demonstrando que o plafonamento das pensões não é justo para os mais ricos.

Não podemos concordar mais com Catarina Martins e verberar a proposta de André Silva e do seu partido. Mas ouvir isto de um partido que se reclamou da esquerda mais radical ilustra a desmesurada ambição de chegar ao poder. Se o Bloco se trasveste de moderado e o PAN delira com o seu sucesso nas sondagens, resta o PCP para garantir a coerência do sistema e a confiança na política.

A geringonça trouxe ao sistema político mais do que uma experiência constitucional. Criou ambição em políticos radicais, experimentou distorções ideológicas e deixa dúvidas pela falta de consistência. Quando os partidos iniciam o processo de cegueira isso normalmente representa o princípio da queda.

Esta postura contamina negativamente a democracia. Os eleitores ficam confusos e sem referências nestes desequilíbrios políticos. A coerência permite que haja adesão e esta confere credibilidade aos protagonistas. A ligeireza e as propostas voláteis contribuem para o afastamento dos cidadãos. Tal alimenta a abstenção que é o pior inimigo da democracia. Não há reformas do sistema quando a responsabilidade está no seu interior.