Quando, na década que sedimentou a paz do pós-guerra, a Itália foi cooptada para a construção do projeto de unificação (então só) económica da Europa, houve a clara consciência de que a unidade daquele país, não tão antiga quanto isso, muito dependeria das sinergias desse modelo agregador. Talvez nenhum outro Estado europeu mantivesse, no seu interior, diferenças regionais tão pronunciadas de desenvolvimento, quiçá mesmo de mentalidades. O seu próprio sistema político era tributário dessas divergências, que tiveram expressão concreta nos afloramentos terroristas, de sentidos extremistas opostos, que marcaram alguns “anos de chumbo”.

A fórmula constitucional que colocava a democracia cristã e um certo socialismo nas calhas regulares de acesso ao poder, com um partido comunista que evoluía para um “compromisso histórico” com esse duopólio, revelou-se, a certo passo, incapaz de sustentar, com legitimidade, a vontade coletiva. O mal-estar com certos poderes fáticos levou ao afloramento populista de uma “república de juízes” e, no termo de uma crise, um modelo político com décadas acabou por ceder.

Dessa implosão nasceu uma constelação partidária de novo tipo, que, num primeiro tempo, fez emergir figuras como Berlusconni e deu expressão ao separatismo arrogante do norte do país. A densidade de algumas dessas novas forças acabou por revelar-se frágil e, rapidamente, veio a verificar-se uma nova fragmentação que, em termos gerais, corresponde ao espectro de representação que hoje existe.

A Itália europeísta que conhecemos deixou de existir. Hoje, estamos perante um país fortemente dividido, raptado por uma agenda egoísta de forte pendor populista, com a clara consciência de que o seu peso nacional não deixa de contar na aritmética decisória de Bruxelas, que também tem consciência de que se não pode dar ao luxo de isolar provocatoriamente um dos poderes europeus mais relevantes ou, pelo menos, decisivo para o equilíbrio do seu projeto. Mais do que isso, essa nova e perturbadora Itália tem hoje a tentação de servir de linha da frente a quantos se propõem prosseguir na construção de uma ordem alternativa, liberta do “politicamente correto” dos princípios que serviram de escudo moral àquilo a que hoje chamamos União Europeia.

A próxima Comissão Europeia vai ser presidida, pela primeira vez, por uma personalidade alemã – rompendo uma regra não escrita que excluía a economia mais poderosa da Europa desse lugar. Isso acontece num tempo em que o próprio equilíbrio interno germânico se desfaz, com a emergência de forças que podem vir a conjugar-se ao destino provável da Itália. Este é também o tempo em que, em França, se joga o destino da experiência Macron, que, a não ter sucesso, tem do outro lado da trincheira interna a extrema-direita.

Com os dois maiores países da União em convulsão, com a saída do Reino Unido do projeto comum, com uma Itália numa deriva de imensa incerteza, ser hoje otimista, na Europa, requer muita fé. Mas, no limite, teremos de concluir que a União Europeia é a única âncora disponível em termos dessa esperança.