O último domingo foi marcante para Portugal e para a Europa. Em Portugal, a esquerda e extrema-esquerda tiveram uma vitória assinalável; na Europa, a extrema-direita e a direita tiveram um sucesso inegável. Portugal e Espanha estiveram à esquerda e ao contrário dos grandes da Europa. Não é fácil fazer um juízo de valor sobre esta divergência, apenas que me parece preferível a relativa menor importância da extrema-esquerda populista ibérica, quando comparada com o peso dos outros extremismos europeus. Ainda assim, ter os populistas do Bloco em terceiro lugar e a anunciar a continuação do condicionamento da governação do país depois de Outubro próximo, não pode deixar nenhum democrata tranquilo. Por diferentes caminhos, os tradicionais representantes das forças democráticas europeias deixaram-se encurralar nestas eleições. A responsabilidade é exclusivamente dos partidos do sistema; culpar a conjuntura, ou pior, o eleitorado, só agravará este divórcio em curso.

A noite eleitoral teve dois derrotados evidentes em Portugal, Rui Rio e Assunção Cristas, e três vencedores claros, António Costa, Marisa Matias e o PAN. No PS, Costa teve coragem e inteligência para sair à rua e centrar em si a campanha, para safar uma lista absolutamente miserável; arriscou e ganhou. O Bloco, ao perceber que Marisa Matias se projecta bem para além do partido, foi pragmático e desapareceu tanto quanto foi possível para não atrapalhar o voto em Marisa; foi a estratégia inversa do PS para um circunstância precisamente inversa. O PAN foi a surpresa da noite, confirmando a consolidação de um projecto que é realmente diferente e novo, e que é o primeiro ensaio de sucesso em Portugal de algo aparentado com os partidos verdes europeus.  Ao contrário do PS, o PSD e o CDS apresentaram listas com qualidade e com protagonistas credíveis. Paulo Rangel e Nuno Melo têm um curriculum europeu forte, Pedro Mota Soares tem um percurso político de referência, não havia nada a esconder nestas listas. Tal como no Bloco, havia todo o interesse em libertar os candidatos das respectivas lideranças, das suas trapalhadas, da sua incapacidade repetida. Resolveram fazer o contrário, o outdoor que se multiplicou por todo o país com Assunção Cristas em primeiro plano e Nuno Melo e Pedro Mota Soares em segundo plano conta a história de uma tragédia anunciada. Seria difícil fazer pior do que Rio e Cristas nos últimos tempos, em particular durante a campanha, arrastando consigo as listas candidatas, insistindo na promiscuidade onde a inteligência impunha separação. A pesada derrota do centro-direita é fundamentalmente a derrota de Rio e de Cristas, é o pré-anúncio da tragédia que se prevê para as legislativas de Outubro. Rangel, Melo e Mota Soares são essencialmente vitimas das circunstâncias, mas, para prejuízo dos respectivos partidos e dos próprios, ainda assim, também rostos de uma séria derrota.

O Povo que foi votar deu uma mensagem muito clara. Se, como era desejável, a abstenção tivesse sido menor, creio que os resultados não seriam muito diferentes. Aliás, se retirarmos de cena os três imolados desta eleição, é de prever que o resultado da próximas legislativas seja ainda mais tenebroso para o centro-direita. Rio não vai mudar, porque é patologicamente teimoso e não conseguirá fazer o país acreditar em si e nos seus, numa altura em que nem uma enorme parte do PSD acredita. Assunção Cristas, a avaliar pelas reacções do seu núcleo duro, não percebeu nada do que se passou; dificilmente conseguirá corrigir em três meses os erros que teimosamente acumulou ao longo de três anos. Resumindo, as lideranças deste espaço poderão estar seguras pelo cacique partidário, mas estão preocupantemente divorciadas do povo português.

O quadro político português actual não poderia ser mais desafiante e exigente para o centro-direita. Depois de um Governo de salvação nacional com provas dadas, seria muito difícil desbaratar tanto capital político de modo tão desastrado e num período tão curto de tempo. Esta crise deverá convocar os melhores a uma reflexão profunda sobre o futuro. Uma ideia de país séria não se forja à pressa em três meses. A direita tem uma caminhada difícil pela frente, um processo de aggiornamento a levar a cabo longe da espuma dos dias, imune ao imediatismo da pressão mediática. A arte de articular este trabalho de refundação com a imprescindível intervenção política no tempo real é um desafio ao alcance de poucos. Sem credibilidade, a direita não progride, não atrai. Se a leviandade e a demagogia são facilmente perdoadas à esquerda, porque tradicionalmente ligada a utopias, à direita exige-se razão e verdade, porque tradicionalmente ligada ao real progresso dos povos, a tudo o que fica quando os sonhos se esfumam. É, assim, o tempo do caminho das pedras, da humildade, da escuta, da compreensão da realidade, da fidelidade aos princípios, da afirmação sem soberba, da constância e da luta cultural e política de fundo. Esta direita não é para passantes ou amigos de oportunidade.