A expressão “carga fiscal” integra um léxico beligerante típico no domínio dos impostos, sempre pronto a enfatizar a ideia de luta, de combate e de perseguição sancionatória daquilo que, de forma enfática e indiscriminada, se qualifica como fraude ou evasão”, que é preciso atacar com um exército administrativo apetrechado do necessário arsenal de artilharia e de instrumentos autoritários repressivos cada vez mais sofisticados. Nada mais errado.

Basear toda a política fiscal na perseguição, na repressão e na sanção, apenas cria suspeição e falta de confiança e isso pode resultar num círculo vicioso onde as autoridades exponenciam os artefactos de coação e os contribuintes o uso de mecanismos de evasão ou evitação fiscal, num perpétuo movimento pendular de esferas sempre em choque, qual metrónomo das relações fiscais.

Aqui, ao contrário do que nos ensina a matemática, “menos com menos” resulta num “duplo menos”, muito longe, portanto, de produzir resultados positivos. A perceção de que essa realidade alimenta uma “race to the bottom”, em que todos perdem, está na base do que pode designar-se uma Copernican Revolution of tax administration”.

O estado de necessidade ou de emergência crónico das administrações fiscais tem conduzido a uma revisão do paradigma confrontativo e a uma alteração da sua missão institucional em favor de um modelo relacional potenciador de um ambiente sinergético e recetivo a estratégias dialógicas que permitam a resolução de problemas através da implementação, em todas as fases da vida do imposto, de espaços contínuos e diferenciados de interlocução transparente, imparcial e efetiva entre os sujeitos tributários.

Quando, em 2011, se pretendeu que a nossa administração se batizasse de “autoridade”, andámos em contraciclo, ignorando toda a evolução científica em matéria de tax compliance, remetendo-se a relação de colaboração com os contribuintes lá para os confins da norma, depois da liquidação, da cobrança, da inspeção tributária, do combate à fraude e evasão fiscais, assim se alimentando uma errada perceção do agir administrativo.

Nos EUA, na sequência da divulgação de “tax horror stories”, em 1998, o IRS deixou de querer “cobrar o maior imposto com os menores custos” para “prestar aos contribuintes um “’top quality service’, ajudando-os a compreender e cumprir as suas responsabilidades”, banindo modos de atuação listados como os “dez pecados capitais” da administração fiscal. Por todo o lado, as estratégias de “engagement & envolving”, numa lógica de “together for better outcomes”, sobrepõem-se ao modelo antagonista.

Está hoje comprovado que o distanciamento social entre a administração e os contribuintes, a par com a falta de accountability da administração, gera um ambiente de desconfiança com nefastos efeitos fiscais. Enquanto não se refletir devidamente sobre a nova realidade da tax compliance, os exércitos administrativos bem podem assemelhar-se a esquadrões suicidas.