Por que não se muda o INFARMED para o Porto? E, já agora, se Tribunal Constitucional fosse trasladado para Coimbra? E, digo eu, por que não pensar um pouco antes de atirar estas ideias soltas para o ar?

Se há tema cíclico na política portuguesa é o da descentralização. Agora que o líder do PSD vem do Porto, a regionalização é reposta em cima da mesa, como objeto de um possível acordo de regime com o PS. Já vai para mais de 40 anos que andamos nisto e, de cada vez que o tema volta, requentado, vem servido em pior estado. Vem com argumentos mais pobres, com menos estudos, sem nenhuns dados empíricos, e com exemplos cada vez piores.

Basta olhar para as duas propostas acima referidas. É preciso dizer, antes de mais, que enviar o INFARMED para a Invicta ou fixar o Tribunal Constitucional na Cidade dos Estudantes não se enquadra sequer no conceito de descentralização. Nem sequer num outro próximo, que é o de desconcentração.

Em causa estaria apenas uma deslocalização de serviços do Estado de um ponto do território para outro. Continuariam ambos a exercer as mesmas competências e a ter precisamente o mesmo âmbito de jurisdição. Continuariam ambos tão centrais como agora.

Ironicamente, aliás, o Constitucional até ficaria mais central do que é hoje, porque Coimbra é que está no centro do país, e não Lisboa, que como é sabido fica já a descair para o sul.

Mudar as entidades e serviços públicos de sítio não lhes altera a natureza. As deslocalizações, feitas assim, sem estudos de impacto, só alimentam bairrismos e aumentam as despesas de funcionamento dos serviços. Jurídica e politicamente, aquelas duas deslocalizações teriam o mesmo significado que mudar o Ministério da Educação da Avenida 5 de Outubro para Xabregas ou a Presidência da República de Belém para o Campo Grande.

Descentralizar significa uma outra coisa bem diferente e bem mais difícil de fazer: transferir competências do Estado para entidades públicas a criar (como as regiões administrativas) ou para outras já existentes (municípios e freguesias).

Para a Administração estadual, dirigida pelo Governo, significa perder poder e partilhar o orçamento. Por isso é que todas as oposições são a favor da descentralização e os governos, apesar de continuarem a jurar fidelidade à causa, perdem rapidamente o interesse em tomar medidas concretas.

Mas, ao contrário do que poderia pensar-se, as maiores resistências contra a descentralização nem estão em Lisboa, no Terreiro do Paço ou em São Bento. Estão espalhadas pelo país, na chamada Administração desconcentrada ou periférica do Estado.

Ou seja, estão nos serviços que os ministérios têm dispersos pelo território: as direções regionais de educação, as administrações regionais de saúde, as comissões de coordenação regionais, entre outras, todas multiplicadas por Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. São vários miniministérios da educação, da saúde, do ambiente, da cultura, vezes as cinco regiões-plano em que o país está dividido.

São estas estruturas regionais dos diferentes ministérios, pejadas de chefias intermédias e de pessoal partidário, que arriscam perder a cabeça em caso de descentralização. Não são tanto os ministérios, em Lisboa, que sempre terão a sua existência garantida.

Dito isto, não é que eu não acredite na descentralização. Só não acredito na possibilidade de os presentes atores políticos fazerem uma descentralização bem feita!