Vivemos num mundo cada vez mais estranho e a Europa, particularmente a da União, não consegue escapar a essa estranheza. Esse mundo, Europa incluída, caracteriza-se por uma desordem cada vez mais nítida, cada vez mais evidente, cada vez mais acentuada, tipificada por uma desconstrução das sociedades assentes em valores cristãos que durante muitos séculos foram a imagem de marca do dito mundo ocidental.

Estes valores cristãos, saliente-se, não se devem confundir com nenhuma especial visão religiosa das mesmas sociedades. O cristianismo, com o decurso dos tempos, mais do que uma religião, converteu-se numa verdadeira civilização. Na civilização que, ela sim, foi identificada com o mundo ocidental e os seus valores fundamentais.

Neste contexto, os tempos mais próximos em termos de debate político europeu não se adivinham tanto como sendo os que opõem a tradicional dicotomia esquerda/direita quanto o que deve ser feito para travar a desordem europeia que criou, na Europa e fora dela, entre outros, os fenómenos dos populismos, dos nacionalismos e do desenvolvimento da ideologia de género. Será um debate necessariamente diferente daqueles que estávamos habituados a testemunhar ou, eventualmente, em que chegámos a intervir e a participar.

E nem será de estranhar que neste novo rearranjo e reagrupamento de contendores, dermos por nós a termos ao nosso lado e a travar o mesmo combate quem ontem estávamos habituados a ver na barricada oposta, do lado de lá das nossas trincheiras. Porque esse novo debate político europeu que se adivinha cortará, necessariamente, de forma transversal os antigos conceitos de esquerda e de direita.

Tratar-se-á de um debate que terá de ser travado a um outro – e muito mais exigente – nível: a um nível valorativo, num plano axiológico e de valores. Reduzirmos esse debate aos conceitos velhos de esquerda e direita significará, não só que não percebemos os novos tempos que aí estão como, inclusivamente, que nada percebamos do que efetivamente deverá ser debatido.

Não se pense, contudo, que esse conceito de desordem europeia é algo de etéreo, longínquo ou distante, mera criação conceptual. O exemplo mais evidente da sua atualidade vem-nos, talvez, de onde menos o pudéssemos esperar – da tradicional velha Albion, que fruto da impreparação de parte da sua casta dirigente e da insanidade da maioria do seu eleitorado, resolveu votar emotivamente a saída do Reino Unido da União Europeia sem se preocupar minimamente com questões tão prosaicas como o quando, o como, o de que forma, e o a que preço.

De nada disto quis o eleitorado saber, para além de dar uma resposta simples a uma pergunta complexa, que nunca poderia ter sido formulada, nunca deveria ter sido formulada e que era absolutamente insuscetível de ter uma resposta dada em termos maniqueístas de sim ou não. Pergunta, de resto, que foi já ela uma manifestação visível e uma cedência evidente a uma das ameaças que identificámos acima como pairando sobre as nossas sociedades ocidentais – o populismo.

Os resultados são evidentes e estão à vista de todos. Talvez pela primeira vez ao longo da sua história diplomática, mas seguramente pela primeira vez na sua diplomacia das décadas mais recente, o velho e confiável Reino Unido apresenta-se numa negociação internacional sem saber o que fazer, sem ser capaz de definir uma posição negocial, com as suas instituições de governo (governo e parlamento) incapazes de formularem uma proposta concreta para um problema da maior envergadura.

Este é, salvo outra e melhor opinião, o mais acabado exemplo que conseguimos encontrar na Europa da União para ilustrar a desordem europeia em que vivem as sociedades ditas ocidentais nos tempos que correm, particularmente a europeia.

E é neste ambiente de desordem profunda que, enquanto europeus e cidadãos da União vamos ser chamados a pronunciar-nos sobre o futuro deste nosso velho continente no próximo dia 26. Resulta da própria noção de cidadania que possuímos e que nos foi atribuída o poder-dever de nos pronunciarmos sobre o futuro que queremos para a sociedade civil europeia que também constituímos.

A participação no ato eleitoral é, assim, o primeiro, o mais imediato e o mais intuitivo dever que se nos deve colocar e a que deveremos dar resposta. Uma resposta que, para ser eficaz e estar à altura das novas exigências com que somos confrontados deverá ultrapassar também a velha clivagem esquerda-direita que determinava o nosso voto em tempos de antanho. Mais do que conceitos do passado, devem ser soluções de futuro para a organização política do continente europeu que se devem buscar nas próximas eleições para o Parlamento Europeu.

Essas soluções, repete-se, deverão estar incindivelmente ligadas a uma dimensão ética e axiológica, valorativa, das propostas que forem apresentadas. E a ética e os valores não são propriedade nem exclusivo de nenhuma ideologia política ou partidária. Se pretendermos que o nosso voto seja efetivamente útil, saibamos desprender-nos de conceitos do passado que eventualmente fizeram sentido noutros tempos mas que hoje em nada contribuirão para combater a desordem em que vivemos.