A operacionalização das associações de ideias e da criação de pensamentos e raciocínios na mente dos decisores são temas cuja análise é crítica para a legitimação das decisões judiciais, sobretudo daquelas decisões que têm de fundamentar-se em presunções e regras da experiência comum. Estes dois critérios são, naturalmente, admissíveis. Contudo, pela natureza dos juízos que esses critérios encerram, a respetiva aplicação é especialmente exigente para não ser confundível – nem quando se formam na mente do julgador, nem quando surgem na fundamentação da respetiva decisão – com conclusões ou raciocínios empíricos falaciosos.

Sendo os decisores judiciais seres humanos têm estes a difícil tarefa de terem de afastar-se das suas convicções, dos seus ideais e das suas pré-conceptualizações para analisarem os factos com o distanciamento cego da figuração da Justiça. Os olhos vendados não significam uma cegueira absoluta sobre as circunstâncias e os contextos em que os factos surgem para serem analisados e decididos, antes apontam para o tratamento imperioso de todos de forma igual.

Ao erigir a igualdade como um princípio geral fundamental, a nossa Constituição transmite barreiras intransponíveis que auxiliam a conformação do pensamento a quem tem o dever de decidir, indicando nesse sentido que ninguém pode ser prejudicado, beneficiado, privilegiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação social.

Acontece que os casos não chegam às autoridades judiciárias e aos tribunais com agentes identificados como o senhor A ou o senhor B em relação aos quais existem provas a analisar. O A e o B são pessoas com nomes, com determinada situação económica, com uma determinada ascendência e com determinada instrução. E a identificação dos arguidos gera perceções e convicções.

E aqui começa o enredo subconsciente que conduz à criação do pensamento humano. Recorrendo à análise filosófica do tema, o argumento ad pauper, a petição de princípio e a conclusão sofismática são talvez as potenciais falácias cognitivas mais comuns.

A primeira consiste em assumir que se alguém é mais pobre é mais virtuoso e verdadeiro. A construção de um pensamento ad pauper é contrária à Constituição, na medida em que discrimina em função da situação económica e da condição social, deixando os mais abastados em perigo. Esse perigo pode transformar-se em dano quando se invocam regras da experiência comum para se afirmar que empresas de dimensão maior e com uma situação económica confortável estão em condições de criar os documentos adequados às suas pretensões, de criar estruturas com aparência credível de realidade e se conclui que, por isso, deve duvidar-se que os documentos que apresenta correspondem a negócios reais.

As argumentações baseadas em petições de princípio também são suscetíveis de gerar incompatibilidades com a igualdade de tratamento proclamada pela Constituição. Nesse caso, é afirmada uma tese que pretende demonstrar-se verdadeira na conclusão do argumento já partindo do princípio que essa mesma conclusão é verdadeira numa das suas premissas. As petições de princípio não são o resultado da experiência comum, mas sim de crenças formadas, nomeadamente pela interiorização de acontecimentos marcantes da vida de quem decide ou dos estigmas que se criam na sociedade em relação a determinados grupos.

Seria exemplo deste raciocínio partir de alguma generalização social, como a de que, havendo numerosas investigações a um determinado setor de atividade, uma empresa poderia ser indiciada por determinado crime na medida em que se relaciona com esse setor de atividade. A crença na premissa conclusiva inicial é usada para rejeitar mesmo a possibilidade de existirem evidências que são contrárias a tal conclusão e a falta de evidência para outras conclusões é tida como mais uma evidência do ponto de partida do raciocínio.

Finalmente, a falsa aplicação do silogismo aristotélico (a dita conclusão sofismática) parte também de algo que se toma como factual mas é, afinal, uma generalização ilegítima ou uma premissa incorreta. É o que pode acontecer quando se descobre que uma determinada classe profissional é apontada como associada à prática de determinados tipos de crime. A conclusão sofismática seria: a classe profissional X pratica determinados crimes, A pertence a essa classe profissional, logo A praticou esses crimes.

Tal como começámos, acabamos. As regras da experiência comum são critério decisório, argumentativo e cognitivo. Afastar da construção mental dessa experiência as comuns falácias é tarefa fundamental dos decisores, que têm de analisar factos, provas e comportamentos. A crença na Justiça depende, assim, em muito, da generalização de que esta é uma tarefa todos os dias cumprida, como cremos e confiamos.