Na passada semana, Manuela Ferreira Leite, no espaço de comentário televisivo em que participa semanalmente, prestou homenagem à recentemente falecida Odete Santos. Entre as qualidades que reconheceu à antiga deputada do Partido Comunista, salientou a integridade com que exerceu a actividade parlamentar, nunca cedendo à tentação fácil do ataque pessoal como argumento político.
O gesto e as palavras de Ferreira Leite são merecedores de referência, sobretudo num contexto em que o debate político se intensifica pela aproximação das eleições legislativas; não apenas revelou dignidade ao prestar homenagem a alguém de quem estava politicamente muito distante, como frisou a importância de que a discussão política se faça no estrito âmbito das ideias e das propostas programáticas e não assente em querelas pessoais, que visam somente apoucar o adversário, nada de útil acrescentando, antes causando danos à credibilidade dos agentes políticos e, por extensão, às instituições de que fazem parte ou a que se candidatam.
Face ao crescimento do fenómeno populista também entre nós, que vive e se alimenta de uma abordagem essencialmente conflitual da política, particularmente importante se torna que a campanha eleitoral decorra com contenção e elevação. A desqualificação da política é em boa medida fruto da perda de substância do debate, geradora de desconfiança nos cidadãos quer quanto à capacidade, quer quanto ao empenho daqueles que se propõem ser seus representantes nos órgãos políticos do Estado.
A política surge, assim, fundamentalmente, como uma refrega entre os seus contendores, interpretada pelos eleitores como alheamento da realidade do cidadão comum e menosprezo pelas suas expectativas e aspirações, o que potencia a indiferença de uns, expressa na abstenção e a indignação de outros, expressa no voto de protesto.
Se aos políticos incumbe a dignificação do seu mister, à comunicação social, também ela uma forma de poder, logo titular de responsabilidades quanto à qualidade da democracia, cabe fazer um acompanhamento profissional e íntegro da campanha. Cumpre-lhe ceder à tentação da tabloidização, evitando reduzir a cobertura das actividades partidárias à divulgação das declarações mais polémicas dos candidatos – que, como referido, é importante que evitem –, seguidas de horas de exegese fútil sobre os acintes do dia feita por um exército de comentadores.
Num sistema representativo, assente no contrato entre o povo soberano e os que se propõem exercer a soberania por delegação daquele, celebrado através do voto, a confiança é, como em qualquer acordo, a pedra angular do edifício.
Se os políticos a não fomentarem, discutindo séria e pedagogicamente as suas propostas, e optarem por um registo – que, desgraçadamente, se banalizou na política doméstica – assente em chistes vulgares e insinuações capciosas que apenas entusiasmam a militância ululante nas acções de campanha, e se, por seu turno, a comunicação social desfocar a atenção da cidadania do essencial e se limitar à função de caixa de ressonância da gritaria comicieira, essa confiança é irremediavelmente perdida. Perdida a confiança, o contrato fica comprometido e sem contrato não há democracia.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.