Num recente episódio do programa “Governo Sombra”, João Miguel Tavares (pessoa que não conheço e personagem com quem simpatizo) anunciou o seu desejo político para o novo ano: “que a direita encontre um líder de jeito”. “O problema” da “direita”, diz ele, é “exactamente” o de não se “vislumbrar” nenhum que tenha “o carisma, a competência e a coragem de fazer o que a direita” precisa. Concordando com ele no que diz acerca da pobreza dos candidatos a líder do PSD e do CDS, não me parece que esse seja “exactamente” o problema.

O problema daquilo a que por ignorância ou comodismo chamamos de “direita” não está nos seus líderes, sejam eles quem forem. O problema da “direita” está no seu eleitorado e no que este defende e deseja, ou seja, está nela própria.

O problema está em o eleitorado da “direita” desejar e apreciar uma retórica de contraste e confrontação com aquilo a que por ignorância e comodismo chamamos de “esquerda”, mas simultaneamente querer e defender mais ou menos o mesmo que esta quer e defende, sendo que o que quer e defende é impossível de realizar, o que faz com que a “direita” nunca possa ser satisfeita pelos seus representantes políticos.

Quem olhe para a história da democracia portuguesa facilmente verá como ela mostra que a “direita” só ganha eleições quando 1) uma conjuntura económica particularmente bonançosa lhe permite oferecer aos eleitores – e em simultâneo – os proveitos da iniciativa privada e da intervenção estatal (sendo logo desalojada do poder quando uma crise chega e a obriga a “apertar o cinto”), ou 2) quando um governo da “esquerda” está no poder numa altura de crise e a maioria do eleitorado os quer afastar (para logo a lá recolocar quando confrontada com a “austeridade” que a “direita” é forçada a aplicar pelas circunstâncias).

Veja-se o que se passou com a AD de Sá Carneiro e Freitas do Amaral: chegou a São Bento depois do PS ter sido obrigado a chamar o FMI e a “pôr o socialismo na gaveta” em 1978 (e de uma série de governos de “iniciativa presidencial” terem sido incapazes de governar), e em 1980 conseguiu renovar a maioria conquistada nas eleições intercalares de 1979 depois de, ao mesmo tempo que cantavam hossanas à “libertação” do “socialismo da miséria”, terem extenuado os dedinhos a assinar nomeações na Administração Pública e aumentarem as pensões e o défice orçamental.

Com Balsemão chegou a conta para pagar, e logo o eleitorado se revoltou contra a “direita”. Entre 1983 e 1985, o PSD só se manteve no poder porque aceitou ser muleta (devidamente subalternizada) do PS, na aplicação obediente de um novo programa do FMI.

Como os “sacrifícios” impostos por esse programa foram severos, e o PS fora visto como a cabeça da sua aplicação, o PSD conseguiu voltar a ser o partido mais votado nas eleições de 1985, mas longe de uma maioria absoluta, que nem uma eventual soma com os deputados do CDS lhe permitiam alcançar. Mas como logo no ano seguinte Portugal entrou na CEE e os fundos desta entraram em Portugal, o PSD (que na altura, tendo em conta o quase desaparecimento do CDS, era “a direita”) conseguiu atrair as simpatias de mais de metade do país, tanto em 1987 como em 1991.

Por um lado, as privatizações e a abertura da economia ofereceram oportunidades de conquista de prosperidade até então fora do alcance dos portugueses. Por outro, Cavaco Silva (o “chefe” da altura) não se cansou de utilizar os amplos recursos que de repente ficaram à disposição do Estado para conquistar votos e consolidar o seu poder: aumentou as reformas dos pensionistas, os salários dos funcionários públicos, deu “atenção” (subsídios) à “internacionalização” das empresas portuguesas e protecção (subsídios) aos “sectores” fragilizados por essa “internacionalização”, continuou a promover “grandes obras públicas”, e introduziu incentivos à concessão de crédito.

Quando a crise chegou, a maioria da “direita” desapareceu e Guterres devolveu o poder ao PS, já numa conjuntura novamente favorável e com dinheiro em abundância para distribuir.

As “vacas gordas”, no entanto, rapidamente emagreceram, e quando o PS foi responsabilizado pelo deplorável estado das coisas, o PSD (de Durão Barroso) e o CDS (de Paulo Portas) aliaram-se para devolver o poder à “direita”. No entanto, a “obsessão pelo défice” a que a crise obrigava, e mais tarde as “trapalhadas” trazidas pela fuga de Durão e entrega do poder a Santana Lopes – que descanse em paz – fizeram com que grande parte dos que em 2002 tinham votado para afastar o PS do poder quando a economia abrandou fizessem o mesmo à “direita” em 2005.

Até lá, esta não fez qualquer reforma que se visse. Sócrates aproveitou a ocasião para (“alegadamente”, claro) usar o Estado em benefício próprio, e quando os custos do esquema e a crise internacional se juntaram para deixar o país à beira da bancarrota, o descontentamento com o PS fez com que o PSD (de Passos Coelho) e o CDS (de Portas) trouxessem de novo a “direita” para São Bento.

Obrigada a um programa de “austeridade” (e mais uma vez deixando o Estado com o mesmo peso que encontrara), a “direita” não conseguiu renovar a sua maioria, acabando por ser substituída por António Costa e o PS (com o apoio do resto da “esquerda”), que aproveitaram a conjuntura agradável dos últimos anos para distribuírem o que havia para distribuir pelas suas clientelas, até hoje valendo-lhes a sua sobrevivência.

Independentemente das qualidades (ou falta delas) dos líderes que escolha ou lhe caiam em sorte, a “direita” está condenada a repetir este ciclo: substituir a “esquerda” no poder quando o país está mal, e porque o país está mal, ser obrigada a aplicar uma política que lhes faz perder as eleições seguintes.

Tudo porque tem um eleitorado que, ao mesmo tempo que faz e exige a afirmação litúrgica da identidade tribal da “direita” como “direita”, e declara (talvez até com toda a sinceridade) o seu amor por “contas certas” e pela “iniciativa privada”, quer também o mesmo estatismo desejado por boa parte da “esquerda”, e todos os benefícios que daí esperam receber.

Como desde o cada vez mais longínquo ano 2000 Portugal não tem recursos para conseguir o milagre da conjugação dessas duas incompatibilidades, a “direita” não pode ser mais do que um “menos do mesmo” para o “mais do mesmo” da “esquerda”, e, como tal, não pode deixar de frustrar os seus eleitores.

O significado de tudo isto é muito simples: a “direita” não tem nem terá condições políticas para governar eficazmente, porque não poderá ter um apoio suficientemente forte e duradouro para fazer reformas na dimensão em que precisam de ser feitas. O que, juntando o facto de que a “esquerda”, por razões similares mas não exactamente iguais, partilha e partilhará o problema, significa que é o país que não tem nem terá condições políticas para ser governado eficazmente. O que não será novidade para ninguém.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.