1. O País está há muito em campanha pré-eleitoral, eleitoral (tanto faz o nome que se lhe der) e todos os partidos com assento parlamentar já fizeram a sua rentrée, sob formas diversas.

A crer minimamente no panorama das sondagens, a direita portuguesa parece estar a entrar em situação comatosa, induzida por si própria. Penso que o “coma” será, porém, mais brando do que as sondagens contam. Mas a acontecer algo aproximado às sondagens, lá terá Marcelo Rebelo de Sousa, a partir de Belém, que dar uma mãozinha para reerguer a sua direita.

O presidente Marcelo já falou do eventual “descalabro” da direita e não afasta a ideia de intervir. Aliás, afirmou que tem de haver equilíbrio político no país (o que é isso?) e para quem “quer ser rei, general, chefe de governo e presidente da assembleia”, lá se disponibilizará para essa missão. Apenas terá de ser contido por causa da sua própria eleição.

2. Pode alegar-se que a direita está agora fatiada.

Não é argumento que colha. Pode uma ou outra nova formação de direita vir a roubar um ou outro deputado. Mas isso pouco contará na perda global, até porque os novos da direita são velhos de ideias. Que ideias novas traz Santana Lopes com a sua Aliança, por exemplo?

Haverá, sim, diferenças de pormenor, não de substância, mais perceptíveis no tipo de marketing, sobretudo quando nas formações novas abunda gente jovem muito ligada aos meios digitais, os chamados “nativos digitais”.

Na realidade, a direita englobada, segundo as sondagens, tem menos de 40% dos votos. É uma situação crítica! Os argumentos terão de ser outros.

Os líderes da direita, e aqui refiro-me ao CDS e PSD, disfarçam a preocupação. Perante a falta de ideias mobilizadoras credíveis praticam um humor deslavado. CDS e PSD andam na mesma camioneta, a dos impostos. Dizem que nunca houve uma tão elevada carga fiscal. Que Cristas não saiba ler bem esta matéria, admite-se, mas Rio?! Então se há mais gente a trabalhar, se houve devolução de rendimentos, essa gente passa a pagar impostos às taxas em vigor e a massa global de impostos é acrescentada. Não se subtrai, soma-se. É, assim, tão difícil de entender?

Deviam ter seguido outro percurso de luta política. Assim, ninguém crê nas grandes baixas de impostos que preconizam, até pelo passado que nunca praticaram.

Assunção Cristas afirmou na rentrée na Madeira que o CDS criou uma “vacina contra as sondagens”.

Mas depois de uma série de ataques ao PS dizendo que é preciso votar no CDS para que o país tenha um “Estado Social” e não um “Estado Socialista” sem explicitar o que isso é, pois se “Estado Social” é o que Cristas fez no governo, por exemplo, na habitação com a liberalização da lei das rendas ou na agricultura com a plantação indiscriminada de eucaliptos, ou o seu governo com os cortes nos rendimentos das pessoas, certamente a população vai preferir o que fez o Governo da geringonça, que devolveu aos portugueses algum rendimento antes cortado.

Mas, este jogo de palavras não correu de feição a Cristas. Depois de tanto ataque ao PS, ao ser confrontada com o CDS Madeira admitir uma eventual coligação com o PS na Madeira, atrapalhada, afirma que o CDS/M é autónomo e só tinha comparecido para dar uma ‘forcinha’.

O problema é outro. O CDS anda sem rumo. Digladiam-se duas tendências internas: uma mais de extrema-direita e outra, centro-direita. O barco do CDS rola, rola e não sai do mesmo sítio. Nas europeias, a guinada de Nuno Melo para a extrema-direita com a simpatia manifestada pelo VOX, uma emanação franquista de Espanha, já deu resultados desastrosos e Cristas andou uns tempos pouco faladora. Aliás, nada abonatório para Assunção Cristas quando um comentador de política e de direita dizia: quanto menos Cristas falar, melhor para o CDS.

Rui Rio “não criou” a vacina anti-sondagens. Fez pior. Afirmou que há sondagens específicas de manipulação eleitoral.

Não são muitas as empresas e instituições que, em Portugal, trabalham em sondagens. Lançou, assim, a suspeição sobre todas elas e sobre os técnicos ligados à profissão. Se conhece casos de manipulação de resultados devia ter denunciado. Trata-se de uma afirmação gravíssima que só descredibiliza Rui Rio. É um argumento de fuga à situação.

Aliás, Rui Rio apresentou-se nesta rentrée como um político fora da caixa, mas pela negativa. Antiquado, puxando dos galões de presidente de Câmara, tentando quadras na terra de António Aleixo de fraco nível, tipo piadas de carnaval. É evidente que as campanhas eleitorais têm muito de carnavalesco, mas tanto, arrepia.

Rio tem andado na “escola de Paulo Rangel” em termos de linguagem menos apropriada, mas por esse caminho o melhor é mudar de treinador. Aliás, Rio tem entrado em cena sem saber o papel a representar. No frente a frente com Cristas a diferença foi de vírgulas.

A situação é ingrata, percebe-se. É difícil contrapor melhor ao que o Governo fez em alguns domínios como a revolução operada nos passes sociais, a reversão dos cortes de rendimentos, a redução do défice, uma boa imagem no exterior, etc..

Depois, a campanha assentar fortemente na afirmação continuada de que se registou o maior aumento da carga fiscal, quando a grande maioria das pessoas até viu devolvido este ano mais IRS do que era costume, em resultado das alterações consignadas no IRS, não colhe.

3. Se há demagogia na campanha eleitoral? Há e muita. Mas até na demagogia tem de haver alguma criatividade e não se descer a certos patamares.

Ao Governo da geringonça há muito que apontar, muito. Atrasos e disfuncionamentos em muitas áreas, hesitações em vários domínios. E se vier a ser renovado, sob que forma for, temos de lhe exigir a continuação da política de devolução equilibrada de rendimentos sobretudo ao nível das classes médias, com realce para os pensionistas e reformados, a chamada família grisalha do País, que foi muito pouco contemplada.

E aqui como em outros casos não cumpriu ou cumpriu abaixo das expectativas. Há muito rendimento a devolver. O Governo falhou e alguma humanidade merece esta gente, pois trabalhou uma vida e anda em perda continuada de poder de compra há muitos anos.

Mas o investimento em sentido amplo é, sem dúvida, a aposta crucial para uma sociedade de futuro mais equilibrada. A nível do investimento público, transportes, investigação e novas tecnologias, saúde, ensino são determinantes. Sem uma aposta clara nestes campos o País andará sempre em atraso.

Não é com a privatização da saúde e do ensino que se chega a lado algum, como preconiza a direita.

O Estado tem obrigação de agilizar as condições de investimento nas empresas e de dar um largo contributo na redução dos custos de contexto. E, nomeadamente, a atribuição dos fundos comunitários têm de ser acelerados, embora sem perda de rigor na análise dos projectos. Menos burocracia e mais transparência são fundamentais para uma sociedade melhor e mais justa.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.