O wokismo é um termo já sobejamente conhecido, mas os debates acalorados e a emotividade talvez nem sempre ajudem a clarificar o que é, afinal, “ser woke”. Inclusive, se notarmos que muitas das pessoas que, há bem poucos anos, se orgulhavam de o ser, passaram agora a afirmar que o wokismo nem sequer existe, pois, deste modo, evitam dar a cara pelas consequências desastrosas das suas ideias.
O wokismo é um movimento que se tem proposto a combater todas as estruturas de poder e todas as desigualdades, apelando a que estejamos despertos para toda e qualquer forma de opressão social. Incentiva uma atitude de permanente desconfiança face ao outro e de reivindicação de compensações por alegadas injustiças sofridas. Através dessa lente, cada indivíduo começa a imaginar uma rede complexa de injustiças em que uns são vistos como vítimas e outros como privilegiados. Entende-se, desta forma, que os sistemas sociais podem infligir injustiças várias, por camadas, numa “interseccionalidade” de dimensões.
Em suma, importa destacar que os “despertos” cavalgam a possibilidade de inventar ilimitadas percepções de injustiça para incutir desconfiança e divisão. Por meio de um paternalismo que intimida toda a sociedade a abraçar o relativismo moral, o wokismo visa subverter todas as coisas em que toca, em nome da igualdade e da inclusão. Assim, os pretensos justiceiros assumem as rédeas do debate para punir todos os que assumam visões diferentes ou que prefiram apenas a neutralidade.
É nesse ambiente de intimidação que, até quando se julga que o wokismo poderá estar a recuar, percebemos que as sementes do mal já penetraram em todo o tecido social, visto que poucos ousam levantar a voz para contrariar as exigências de “reparação histórica” dos que vociferam alusões ao colonialismo, ao racismo, ao patriarcado e a outras formas de exploração. Muito mais poderia ser dito sobre o wokismo, mas para uma análise abrangente e diversificada, recomendo a leitura da obra colectiva recém-publicada “Woke fizemos? Anatomia de um totalitarismo suave”.
Posto isto, tendo em conta a natureza e os objectivos típicos do wokismo, será possível imaginar que ele também possa sentir à direita? Existirão activistas e grupos “woke de direita”? A sugestão de que existe uma “direita woke” começou a ressoar recentemente em alguns fóruns, naquilo que podemos ver como reacção inevitável de auto-defesa por parte da direita centrista de tradição individualista e cosmopolita. Dizem que a “direita woke” falta à verdade, instrumentaliza grupos, odeia o ocidente e que recorre à vitimização e ao ressentimento.
A estratégia é básica e passa por reciclar a simplista “teoria da ferradura”, segundo a qual os extremos se tocam. É uma teoria que não explica nada, na medida em que enfatiza apenas os métodos e ignora as diferenças entre a esquerda e a direita a nível de pressupostos filosóficos e de objetivos políticos. Apesar da sua fraca utilidade teórica, a conversa da ferradura vai enchendo as medidas daqueles que gostam de lançar chavões rápidos para o ringue político para descredibilizar adversários políticos, em vez de arrumarem a própria casa e reflectirem sobre as suas crises internas. É assim que podemos enquadrar esta reacção pejorativa contra as direitas tradicionalista, conservadora, ou identitária e nativista, que têm procurado estar à altura dos desafios culturais no Ocidente.
Vejamos sucintamente por que é que as sensibilidades à direita, sejam elas tradicionalista, conservadora, ou identitária e nativista, nunca poderão ser woke, nem se poderão confundir com os métodos da esquerda woke.
Primeiro, elas assentam na defesa da ordem natural e da verdade objectiva, ao contrário do wokismo que prega o relativismo epistemológico, moral e cultural.
Segundo, acreditam que a linguagem deve ser a expressão rigorosa e clara da essência das coisas e que não deve ser uma construção arbitrária ao serviço de reinterpretações e revisionismos.
Terceiro, os grupos de identidade que são centrais no seu discurso são organismos sólidos, consistentes no tempo e enraizados como estruturas legítimas.
Quarto, não desprezam a civilização ocidental; pelo contrário, defendem que o Estado deve velar pelo património, pelos costumes e pela ordem moral, resistindo à pressão compressora do globalismo homogeneizante ou às pressões de aculturação incutidas por outros modos de vida estrangeiros.
Quinto, e fundamental, esta direita não agita ressentimentos, como a esquerda woke, para dissolver os laços e as instituições. Protagoniza, isso sim, a reemergência do conceito grego de “pólemos” enquanto princípio estruturante da vida política, num tempo em que a política tinha sido esvaziada para se vergar à mera gestão tecnocrata, ao falso consenso universalista da paz perpétua e ao pensamento único.
Os apelos daquelas direitas não são uma fuga para o vazio, nem um ruído inconsequente virado para o próprio interesse egoísta. Enquanto a esquerda woke e a direita centrista tendem a confiar que a linguagem abstracta confere autonomia ao indivíduo como sujeito desencarnado, com capacidade para autodefinir-se, independentemente das normas, da biologia e da tradição, estas direitas que aqui vimos são o reconhecimento de que a abolição das fronteiras, das soberanias, do sagrado, das identidades, das memórias e do heroísmo, conduz a uma sede de sentido e de pertença.
Sim, estas direitas trazem uma carga moralista e simbólica, mas preconizam movimentos de retorno ou de reajuste às instituições que comprovaram o seu valor ao longo dos séculos. Mobilizam grupos com fervor, claro, mas em busca da verdade, da identidade e da liberdade.