Numa das leituras que trouxe para férias, encontrei uma referência ao facto de aos homens serem socialmente reconhecidas características superiores às das mulheres. Nas palavras de Frances Olsen, seriam associadas aos homens características como a racionalidade, a atividade, a reflexão, a razão, a cultura, o poder, a objetividade e a abstração. Seriam associadas às mulheres, em sentido simetricamente oposto: a irracionalidade, a passividade, o sentimento, a emoção, a natureza, a sensibilidade e a apetência para o concreto.

Não são necessárias muitas explicações para se perceber que esta contraposição ainda é atual no imaginário coletivo. Ela combina bem, aliás, com as conhecidas expressões de uso corrente que menorizam as mulheres, para que não sejam levadas a sério (por ex., “de certeza que dormiu com o patrão”, “ela é mal amada”, “uma mulher tem de se dar ao respeito”, “mulher ao volante, perigo constante”…).

Este breve levantamento recorda-nos que a discriminação se manifesta de várias formas e, não sendo de hoje, reflete uma tendência antiga. Há duas semanas, a propósito da festa da Igreja de Santa Maria Madalena (que acompanhou Jesus até ao fim e anunciou a Sua ressurreição aos discípulos), fui recordada que certa tradição popular associa esta Santa – injustamente – a uma prostituta. Não obstante o texto dos Evangelhos não permitir fazer essa associação, ela apenas se explica como forma de a menorizar – por ser mulher – em relação aos demais discípulos de Cristo.

A persistência destas associações e expressões expõe o profundo enraizamento de uma desigualdade que não cessou com as conquistas feministas. Neste caso, perpetuando a discriminação de forma insidiosa: sob pretexto de se tratar de linguagem comum ou de uma certa forma de fazer humor, ela contém o veneno da diferença, gerando mecanismos de dominação para quem se acha superior. É ela a culpada pelo facto de ainda hoje muitas mulheres ocultarem do espaço público (calando) a vergonha que sentem quando são ofendidas, assediadas ou agredidas, simplesmente por serem mulheres.

É por isso importante continuar a erradicar todas as formas de discriminação, sem cair na tentação de julgar que está tudo feito neste domínio. Na semana passada, no “Le Monde”, a propósito da morte da célebre advogada feminista Gisèle Halimi, encontrei, na republicação de uma entrevista sua, esta história que pode inspirar no sentido da promoção da intransigência pela igualdade: contava ela que, ao ser recebida pelo Presidente De Gaulle para ser consultada numa matéria da sua especialidade, quando este se lhe dirigiu com “Como a trato: Senhora ou Menina?”, esta lhe respondeu, impondo um tratamento paritário: “Nem uma coisa nem outra, chame-me Professora”.

Que esse exemplo inspire as mulheres a não se resignarem, incitando à criação de uma cultura positiva de igualdade, que deve ser preferida a qualquer forma de censura para substituição destes estereótipos.