Segundo os últimos dados disponibilizados pelo INE, referentes a 2019, cerca de 8,5% dos imóveis transacionados em Portugal foram vendidos a não residentes, o que corresponde a 13,3% do valor total transacionado. Por outro lado, o valor médio destas transações foi 57% superior ao valor médio das transações totais.

Pelo que, o tema da tributação em sede de IRS das mais-valias resultantes da alienação de imóveis por não residentes em território português é deveras relevante, não só pelo número de transações, mas também pelo valor associado às mesmas.

No que toca a este regime de tributação, a discussão já vai longa assentando, em termos muito simplistas, na disparidade existente no tratamento de residentes e não residentes no apuramento da mais-valia tributária, sendo que tal diferença assenta exclusivamente na residência do sujeito passivo.

Primeiramente, é necessário referir que quanto aos rendimentos sujeitos a IRS, os cidadãos residentes em Portugal são tributados pela totalidade dos rendimentos obtidos no território nacional, enquanto os não-residentes são somente tributados quanto a rendimentos que provenham de fonte portuguesa.

Ora, no caso de um sujeito passivo com morada fiscal portuguesa alienar um imóvel sito em Portugal, só 50% do valor total da mais valia é sujeita a tributação, a taxas progressivas compreendidas entre os 14,5% e 53% (considerando a taxa de solidariedade). O abatimento de 50% na consideração do ganho visa evitar a tributação excessivamente onerosa de rendimentos considerados fortuitos ou anormais.

Por sua vez, um não residente é sujeito a tributação sobre 100% do ganho, à taxa fixa de 28%, exceto se for residente num Estado-Membro da UE ou do Espaço Económico Europeu, e no caso de existir intercâmbio de informações em matéria fiscal, opte pela tributação às taxas aplicáveis a residentes. Porém, neste cenário, na determinação da taxa aplicável, é tido em conta a totalidade de rendimentos obtidos numa base mundial, incluindo os auferidos fora de Portugal, nas exatas condições aplicáveis a um cidadão residente.

Este regime opcional foi introduzido, no ordenamento jurídico português, na sequência do Acórdão de 11-10-2007 do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), Hollmann, que declarou que o abatimento de 50% do valor, apenas no caso das mais-valias realizadas por residentes, conduzia a uma carga fiscal superior para os sujeitos passivos não-residentes e, assim sendo, constituía uma restrição ao movimentos de capitais, expressamente proibida pelo Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Desde então, muito se tem discutido nos tribunais portugueses quanto à conformidade deste regime opcional com o direito europeu. No dia 18-03-2021, o TJUE pronunciou-se, novamente, sobre este tema, considerando que a existência de opção de escolha entre um regime que é discriminatório e outro que não o é, não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro regime fiscal.

Aliás, refere que reconhecer tal efeito à escolha implica validar um regime fiscal que, em si mesmo, continua a ser discriminatório. Acrescenta ainda, na linha de decisões anteriores, que qualquer regime nacional que limita uma liberdade fundamental garantida pelo TFUE, como a livre circulação de capitais, é incompatível com o Direito da União Europeia, mesmo que a sua aplicação seja meramente facultativa.

Também a nível nacional, consequência do contencioso resultante deste tema, foram proferidas diversas decisões tanto do CAAD (a título de exemplo, as decisões proferidas no âmbito do proc. n.º 664/2019-T, n.º 762/2019-TT), como acórdãos dos Tribunais (nomeadamente o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 09-12-2020, no proc. n.º 075/20.6BALSB), que reconhecem o caráter discriminatório do regime em apreço e a violação à livre circulações de capitais.

Contemporaneamente, a Autoridade Tributária advogava, em todos os processos em que a questão se colocou, a igualdade de tratamento entre residentes e não-residentes, negando qualquer tipo de discriminação.

O acórdão do TJUE, ao condenar o Estado Português, não deixa margem a dúvidas, corrigindo uma situação grave de discriminação injustificada em função do local de residência, perpetrada há largos anos pela legislação portuguesa que afeta todos os cidadãos a quem tenha sido indevidamente cobrado imposto em excesso.

Importa, ainda, referir que os contribuintes não-residentes em Portugal que tenham alienado imóveis aqui localizados e forem confrontados com uma liquidação de IRS que considere a totalidade da mais-valia para efeitos de tributação, têm ao seu dispor meios judicias e arbitrais que lhe permitem contestar e solicitar o reembolso do tributo.

Em tom de conclusão, atendendo à alteração perpetrada pelo Acórdão Hollman no ordenamento jurídico português, cremos ser expectável antecipar uma nova alteração, em consonância com o vasto acervo jurisprudencial existente sobre o tema da tributação de mais-valias obtidas com a venda de imóveis em Portugal, estabelecendo-se um regime regra que equipare o tratamento fiscal dos residentes e não-residentes.