Os mercados energéticos na Europa têm sido tema de discussões a partir de diferentes perspectivas, inclusivamente do ponto de vista da “moralidade”.

Há o tema das sanções decretadas em resposta à invasão da Ucrânia, que incluem a proibição da importação de petróleo e produtos refinados com origem na Rússia – embora transitoriamente sejam autorizadas importações por oleoduto, dada a dependência de certos países do Centro da Europa. Como a Europa depende em cerca de 15% do petróleo e derivados russos, é fácil concluir que a falta destas quantidades afecta os mercados energéticos, pressionando os preços.

Entretanto, na Europa ocidental, diz-se que se trata da reacção a uma guerra não provocada e imoral. Mas para russos e ucranianos a questão não é moral. Para a Rússia o tema é geostratégico, numa linha expansionista que vem do século XV, fundada na fragilidade que sente por não ter fronteiras naturais definidas a Oeste. A Ucrânia luta pela independência.

Mas não será difícil conseguir abastecimentos alternativos. O petróleo é fácil de transaccionar porque é fácil de transportar. O Mundo produz cerca de 100 milhões de barris de petróleo por dia, e consome os mesmos 100 milhões. É fazer o produto circular pelos mercados.

As quantidades que a Rússia deixa de colocar na Europa são vendidas, a preços descontados, a outros consumidores, como a China e a Índia. E a Europa pode abastecer-se no Médio Oriente, onde ficarão disponíveis as quantidades que a China e a Índia passam a adquirir à Rússia. Mas como de um momento para outro pode haver uma disrupção, os operadores protegem-se, transaccionando hoje mais quantidades que só estarão no mercado no futuro, o que leva a um aumento dos preços.

Os consumidores europeus vêem aqui especulação imoral. Mas para estes operadores isto é a oferta e a procura. Estão a vender ou a comprar a preços que aceitam livremente. Trata-se da sua subsistência futura, não de considerações morais.

Num bom exemplo de disrupҫão, a OPEP decidiu reduzir a produção em dois milhões de barris/dia, o que evidentemente resulta noutra alta dos preços da energia. Na Europa ocidental, os consumidores acham que é imoral baixar a produção nestas circunstâncias. Mas os produtores visam garantir a maximização da monetização das suas riquezas naturais e garantir a sua prosperidade futura. Questões morais não os preocupam.

Os fornecimentos de gás natural russo não foram ainda objecto directo de sanções, mas existe a firme intenção de reduzir as importações. Contudo, o Inverno, que nos países do Centro e Norte da Europa é um tema sério, está a chegar, e a Rússia já deu sinais de que poderá não facilitar a vida a esses países, cortando ou reduzindo fornecimentos alegando não pagamento em rublos ou problemas técnicos. Por isso, a União Europeia está a procurar fornecedores alternativos para aumentar as quantidades armazenadas, e a adoptar programas para reduzir o consumo para poupar energia. O que está em jogo é a relação de forças entre a Rússia e um conjunto de outros países em termos geostratégicos, não é uma questão moral.

Mas o abastecimento de gás natural não é tão fácil de concretizar como o do petróleo.

Em muitos países, as quantidades produzidas estão comprometidas por muitos anos, porque o investimento na produção, armazenamento e transporte exige compromissos firmes por parte dos compradores. E a Europa não tem instalações de recepção de Gás Natural Liquefeito que garantam um grande aumento de importações por essa via, nem existem pipelines de ligação entre zonas que tenham capacidade de recepção superior às necessidades, como a Península Ibérica, e os mercados consumidores do Centro da Europa.

Da mesma forma que não existe consenso político quanto à construção dessas ligações, porque a França receia que faҫam reduzir a capacidade de influência que tem nos mercados eléctricos, devido à sua produção nuclear. Trata-se do equilíbrio do actual statu quo político e económico entre naҫões, não de uma questão moral.

Há, finalmente, a questão dos lucros das empresas energéticas, que resultam de uma conjugação acidental e transitória de factores de mercado, e que há quem considere imorais, porque foram obtidos no quadro de grandes dificuldades sentidas pelos consumidores. Mas essas empresas aproveitaram-se ilicitamente da situação? Ou são os lucros em si que são imorais por serem elevados? E qual é o nível a que deixariam de o ser? Ou será que são todos os lucros que são imorais?

Estas questões serão políticas e económicas, ou morais?

É difícil discutir interesses políticos e económicos divergentes com base em critérios morais. Os outros também têm a moral deles. É para evitar essas discussões que existem leis nacionais e internacionais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.