Passado cerca de ano desde que a pandemia invadiu o nosso país, venho fazer um relato, na primeira pessoa, de uma experiência que será certamente comum a muitos outros que fazem do ensino a sua atividade profissional principal.
Habituado, há mais de três décadas, a partilhar as salas de aula com estudantes do ensino superior, lecionando uma área tradicionalmente considerada como conservadora – o Direito – vi-me, de um momento para o outro, à semelhança do que aconteceu com milhares de colegas meus, do básico, secundário e superior, fechado entre quatro paredes, com um ecrã de computador à frente, obrigado a lidar com um conjunto de jovens que não conheço a uma distância que, parecendo tão curta, é, na realidade, tão acentuada.
O que sempre me fascinou nesta profissão que venho exercendo desde que terminei a minha licenciatura, foi a possibilidade de interagir com outras pessoas, maioritariamente jovens, na sua maioria sedentas de conhecimentos e de experiências, capazes de emprestar às aulas uma dinâmica e uma irreverência própria de quem ainda está a dar os primeiros passos na sua vida adulta.
Como já referi muitas vezes, a pessoas mais chegadas e a outras menos próximas, a profissão docente é, diga-se o que se disser, a melhor do mundo, permitindo-nos diariamente mantermo-nos atualizados e contactar com outras pessoas, mais jovens do que nós, que nos asseguram uma perceção das mudanças que ocorrem a uma velocidade alucinante no planeta que habitamos.
Muitos são os que se queixam da remuneração auferida, do trabalho insano que têm por altura das avaliações, da necessidade de se manterem permanentemente a par das últimas novidades nas suas áreas de conhecimento, obra que nunca se encontra concluída, das tarefas administrativas que são forçados a efetuar, da impreparação dos estudantes nos ciclos anteriores, da capacidade de encaixe que devem ter para lidar com estudantes com personalidades mais problemáticas. No entanto, é, também por isso, que a profissão docente é fascinante, apresentando àqueles lhe decidiram dedicar a vida constantes desafios, que devem procurar, com maior ou menor dificuldade, ultrapassar.
Nos já longos anos que levo desta vida, nunca me tinha confrontado com um desafio tão exigente, como aquele a que a pandemia nos forçou. Longe dos estudantes, fui, como muitos outros, obrigado a repensar estratégias e metodologias, que pudessem atenuar o enorme vazio sentido de ambos os lados, docentes e discentes, como resultado da ausência da presença humana que faz das aulas uma experiência única.
Certo que dispomos hoje de ferramentas que não tínhamos há poucos anos atrás, capazes de mitigar os inconvenientes de estarmos confinados, impossibilitados de nos reunir numa mesma sala, de presencialmente trocar opiniões ou partilhar experiências. Mas, independentemente de estarmos à distância de um clique, perdemos parte da magia que coloria as nossas vidas, que nos fazia acordar felizes, que nos ajudava a esquecer os aspetos negativos que qualquer profissão sempre tem.
Por mais que se apregoem as vantagens das novas tecnologias, que se faça a apologia do ensino à distância, que se glorifiquem as potencialidades do e-learning, nada substitui uma aula presencial, onde professores e alunos comungam experiências, trocam opiniões, tecem comentários, expõem ideias. Os que pensam que o ensino foi dos menos atingidos pela pandemia, enganam-se redondamente. Se o ensino fosse só isto, muitos de nós teríamos certamente escolhido outras profissões, menos solitárias do que esta.
Como eu, tantos outros desesperam para voltar ao presencial, fartos que estão de estar entrincheirados nas suas casas, avaliando estudantes que na melhor das hipóteses só conheceram através da impessoalidade de um ecrã de computador, com os quais, muitas vezes, nunca trocaram uma única conversa, sem se poderem aperceber do seu verdadeiro potencial, limitando-se a apreciar, o mais objetivamente que for possível, o que ficou vertido num qualquer programa de computador como resposta a um teste desenhado para ser feito à distância.