As ditaduras não gostam que a imprensa trate das coisas da governação, pois partem do princípio que os governantes têm sempre razão e que a autoridade é infalível. E quando não é possível ocultar a realidade há que mascará-la.

A Espanha franquista chegou a extremos de manipulação da realidade (mas a ditadura salazarista não andou longe). Se a Bolsa implodia e vinha por aí abaixo, a censura, atenta, determinava: “observa-se nos comentários da Bolsa nos dias de hoje uma tendência pessimista. Convém limitar um pouco este tom depressivo”.

Se um jogo de futebol acabava em pancadaria, incluindo escandaleiras nas arbitragens, lá vinha a mesmíssima censura dizer: estão proibidas “as expressões, ‘patadas aleivosas’, ‘jogo subterrâneo’ e ‘agressões entre jogadores’”. E até a demissão de algum dirigente político estava proibida de ser divulgada porque… não existia! Determinava a censura: “fica proibida a publicação de todo o tipo de demissões (…), já que no regime actual só existe a cessação de funções”.

As democracias são o domínio da realidade, ou devem sê-lo. Mas às vezes a realidade parece ficção e esta a realidade.

Durante um mês, o país não existiu para além da porta do Estádio de Alvalade e de uma localidade qualquer na Rússia, onde os “heróis do mar” treinavam. Tudo o resto sumiu. Ou quase: parece que localizaram o Presidente e o primeiro-ministro aos saltos, não se sabe se na Rússia se no Alto da Boa Vista. E todavia a realidade estava lá, e  continua a estar, apenas um pouco pior: a dívida pública atingiu 250,3 mil milhões, isto é, o equivalente a quase 127% do PIB – um novo “recorde” histórico alcançado pela governação socialista. Ou seja, cada vez mais endividamento e cada vez menos liberdade para as gerações futuras.

Chamado a comentar esta realidade, o primeiro-ministro mascarou-a. Disse que o objectivo do Governo é manter a “redução da dívida pública”. Conversa de surdos ou realidades alternativas? Nem uma coisa nem outra. Apenas a lembrança assustadora de que, se vivêssemos em ditadura, a questão estaria encerrada. Bastaria determinar que a dívida pública não existe!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.