Obviamente que gosto da ideia de ter dinheiro. Obviamente que todos deveriam ter acesso a dinheiro para melhorar a sua qualidade de vida. Obviamente que não tenho nada contra os “ricos”. Obviamente que não podemos ter dinheiro à custa da infelicidade dos outros e, muito menos, à custa do futuro. Obviamente que quem mais tem, tem também mais responsabilidade em devolver algo mais à sociedade.
Os temas de ESG estão intrinsecamente ligados ao parágrafo acima: as práticas de ESG das organizações devem contribuir para a criação de valor da empresa, minimizando o impacte negativo que gera na sociedade e no ambiente, e compensando, ou mesmo revitalizando/regenerando, o ecossistema ambiental e social envolvente.
Sejamos realistas: ter práticas de ESG implica, no curto prazo, diminuir lucros. No “momento zero” há que fazer investimentos em pessoas, processos e tecnologias, e isso subtrai aos proveitos e diminui o resultado líquido. Por alguma razão enviesada, muitos acionistas e, consequentemente gestores, consideram que esses investimentos não estão alinhados com o dever fiduciário de gerir uma empresa ou um banco em prol dos interesses dos acionistas.
Muito possivelmente, têm razão! Pois tudo depende do que de facto são “os interesses dos acionistas”. Esses acionistas são muitas vezes indivíduos “ricos”, ou grandes fundos de investimento, muitos deles com investimento de indivíduos em fundos de curto prazo, ou em fundos que pretendem gerar capital para garantir uma boa reforma.
Tem surgido, gradualmente, um número crescente de indivíduos e fundos de investimento “iluminados” que consideram que uma gestão que distribua valor pela sociedade, invista em práticas de ESG e que ambicione deixar um impacte positivo ao longo da sua cadeia de valor, está alinhada com os seus interesses. Esta abordagem é defendida pela teoria do “Enlightened Shareholder”, na qual o acionista perceciona o médio e o longo prazo como relevantes para o retorno do seu investimento.
No entanto, a grande maioria dos investidores ainda está focada no retorno a curto prazo e não lhes interessa que os investimentos em ESG hoje lhes tragam retorno no futuro, porque o futuro não lhes interessa assim tanto. O foco, o objetivo, a ambição, é “fazer o mais dinheiro possível hoje”. Ora, “fazer o mais dinheiro possível hoje” consegue-se alcançando objetivos anuais que implicam sempre mais vendas, através das comissões obtidas nas compras e vendas, comprando o mais barato e vendendo o mais caro possível.
Num contexto em que, de acordo com o Instituto de Potsdam e com a Universidade da Califórnia do Sul, as alterações climáticas irão levar a mais e mais severos terramotos; num contexto em que as alterações climáticas estão a gerar cheias, fogos, doenças, quer em países em desenvolvimento quer nos países desenvolvidos, parece-me incrível que a maioria dos agentes da economia apenas ambicione “fazer o mais dinheiro possível hoje”, esquecendo-se que talvez não estejam cá amanhã para o gozar.
Em tempos dei formação ao Conselho de Administração de uma empresa europeia cotada em bolsa. Num dos dias, o CEO esteve presente. Depois de se manifestar contra o espírito desta Europa que só exige, terminou afirmando “iremos cumprir porque temos de o fazer, mas tudo isto retira competitividade às empresas”. E é isto que temos! Empresas que estão nos ratings de ESG porque “cumprem com o requisito”, mas quem as gere acha que tudo isso é uma perda de tempo e de dinheiro.
É por isso que começo a pensar que a sociedade tem a doença do dinheiro. Quanto mais dinheiro se tem, mais se quer ter. Mais cegos ficamos. Mais greenwashing fazemos. Menos empáticos ficamos. E mais aceleramos a probabilidade de não sermos capazes de usufruir dessa riqueza. Como afirma o jornalista Jeff Goodell na capa de um dos seus livros, “É o calor que nos irá matar”. Ou seja, são as alterações climáticas que nos irão matar. Eu diria, que já estão a matar… e, mesmo assim, a maioria de nós só quer “fazer o mais dinheiro possível hoje”? Assim sendo, estamos todos doentes. Temos a doença do dinheiro.