O futuro da previdência dos Advogados e Solicitadores portugueses encontra-se numa encruzilhada. O debate entre a manutenção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) e a migração para a Segurança Social (SS) tem dominado as discussões, mas é hora de considerar uma terceira via: um sistema híbrido que ofereça uma proteção mais robusta e adaptada às necessidades atuais e específicas da Classe.

 A insatisfação generalizada

A insatisfação generalizada com o sistema previdenciário atual é evidente entre os Advogados portugueses.

As estatísticas são alarmantes: uma taxa de incumprimento das contribuições de 21% evidencia claramente que o modelo vigente falha na resposta às necessidades dos seus beneficiários.

Para ilustrar, consideremos o caso de uma Advogada com um rendimento mensal de 1.200 euros, esta profissional enfrenta o desafio de destinar 277,77 euros – quase um quarto do seu vencimento – para a contribuição mínima da CPAS.

Entretanto, a alternativa de migração para a Segurança Social também não gera entusiasmo generalizado. Muitos Advogados manifestam receios legítimos quanto à potencial perda de autonomia e à capacidade do sistema geral em adaptar-se às especificidades únicas da Advocacia.

Questões como a irregularidade dos rendimentos (por exemplo, por diminuição de clientes) ou a necessidade de cobertura adequada para riscos profissionais específicos, não têm resposta satisfatória no âmbito da Segurança Social.

Este cenário de insatisfação bilateral sublinha a urgência de se explorarem soluções inovadoras, como um modelo híbrido, que possa oferecer tanto a proteção adequada quanto a flexibilidade necessária para responder às exigências particulares da Classe.

Um modelo híbrido: a solução do futuro?

Neste cenário de insatisfação generalizada, emerge a possibilidade de um regime híbrido inovador, concebido para transcender as limitações inerentes tanto à CPAS como à Segurança Social.

Esta abordagem visa oferecer uma solução mais abrangente e adaptada às necessidades específicas dos Advogados e Solicitadores. O modelo assentaria em três pilares fundamentais, cuidadosamente estruturados para proporcionar uma proteção integral ao longo da carreira:

  1. Proteção na velhice: Garantindo uma reforma digna e adequada ao estilo de vida do profissional.
  2. Proteção na perda de rendimentos: Salvaguardando a estabilidade financeira em períodos de incapacidade temporária ou permanente.
  3. Proteção na doença: Assegurando acesso a cuidados de saúde de qualidade a custos controlados.

Esta tríade de proteção visa não só colmatar as lacunas dos sistemas atuais, mas também criar um ecossistema de segurança social robusto e flexível, capaz de se adaptar às vicissitudes da carreira jurídica moderna.

Proteção na velhice: PPR especializados e contribuição mínima obrigatória

Para assegurar uma proteção adequada na velhice, poderia ocorrer a criação de Planos Poupança Reforma (PPR), opcionais e de acordo com a disponibilidade de cada um, especializados para Advogados e Solicitadores, complementados por um sistema de contribuição mínima obrigatória.

Este modelo combinaria flexibilidade com segurança, adaptando-se às necessidades individuais de cada profissional.

Os PPR especializados seriam oferecidos em duas modalidades principais:

Fundos PPR: Geridos por sociedades de investimento, estes fundos oferecem potencialmente maiores retornos, embora com um nível de risco mais elevado. Ideal para profissionais com maior tolerância ao risco e horizontes de investimento mais longos.

Seguros PPR: Administrados por seguradoras, estes planos garantem o capital investido e um rendimento mínimo, proporcionando maior segurança. Uma opção mais conservadora, adequada para quem prioriza a estabilidade.

A inovação neste sistema seria a implementação de uma contribuição mínima obrigatória. Cada Advogado ou Solicitador seria obrigado a contribuir com um valor mínimo mensal, calculado para garantir uma pensão mínima digna na velhice.

No entanto, os profissionais teriam a liberdade de escolher contribuir acima desse mínimo, aumentando assim o valor garantido da sua futura pensão. Por exemplo, uma Advogada poderia ser obrigada a contribuir com um valor mensal mínimo a definir, mas teria a opção de aumentar essa contribuição em meses mais lucrativos.

Esta abordagem flexível permitiria aos profissionais:

– Adaptar a sua estratégia de poupança ao longo da carreira, ajustando o nível de risco e as contribuições conforme a evolução das suas condições financeiras e objetivos pessoais.

– Escolher entre uma variedade de opções de investimento dentro de cada modalidade, desde perfis mais conservadores até mais agressivos.

– Beneficiar de incentivos fiscais associados aos PPR, maximizando o valor das suas contribuições.

– Garantir uma pensão mínima através da contribuição obrigatória, enquanto mantêm a liberdade de aumentar os seus benefícios futuros através de contribuições adicionais.

Ao combinar a obrigatoriedade de uma contribuição mínima com a flexibilidade de PPR especializados, este sistema asseguraria uma base sólida de proteção na velhice para todos os profissionais, ao mesmo tempo que oferece oportunidades de crescimento e personalização das poupanças para a reforma.

Proteção na perda de rendimentos: ampliando o modelo atual

O sistema atual de proteção na perda de rendimentos da CPAS, embora meritório, carece de uma reforma urgente e abrangente.

É imperativo desenvolver um novo modelo que se aproxime das garantias oferecidas pela Segurança Social, sem, contudo, perder de vista a flexibilidade essencial para atender às particularidades únicas da Advocacia e da Solicitadoria.

Seria fundamental uma expansão e aperfeiçoamento significativos do Plano de Proteção de Rendimentos em caso de doença e acidentes da CPAS. Um plano renovado ofereceria coberturas mais amplas e condições substancialmente mais favoráveis, adaptadas às necessidades reais dos Advogados e Solicitadores.

Consideremos, a título exemplificativo, o caso de um Advogado que sofra um acidente e fique incapacitado por um período de 6 meses. Nesse novo modelo, este profissional poderia, por exemplo, beneficiar de uma compensação superior a 70% do seu rendimento médio durante todo o período de incapacidade.

Adicionalmente, o novo plano poderia contemplar:

  1. Extensão do período de cobertura para incapacidades de longa duração.
  2. Inclusão de cobertura para doenças profissionais específicas da advocacia, como burnout ou stress pós-traumático resultante de processos particularmente exigentes.
  3. Implementação de um sistema de avaliação mais ágil e transparente para determinar o grau de incapacidade e o direito aos benefícios.
  4. Criação de um mecanismo de reintegração profissional gradual, com suporte financeiro, para Advogados e Solicitadores em recuperação de longos períodos de incapacidade.

Estas melhorias visam não só fortalecer a proteção individual dos Advogados e Solicitadores, mas também contribuir para a estabilidade e resiliência das profissões como um todo, garantindo que imprevistos de saúde não comprometam irremediavelmente a carreira e o bem-estar financeiro dos profissionais.

Proteção na doença: um “mini-SAMS” para Advogados e Solicitadores

A implementação de um sistema de saúde específico para Advogados e Solicitadores, inspirado no modelo do SAMS (Serviços de Assistência Médico-Social), poderia revolucionar a proteção na doença para estes profissionais.

Este “mini-SAMS” ofereceria uma gama abrangente de benefícios, proporcionando acesso a uma vasta rede de prestadores de cuidados de saúde a custos significativamente reduzidos.

Importa salientar que esta cobertura seria facultativa, permitindo que cada profissional decidisse livremente se pretenderia aderir ao plano, de acordo com as suas necessidades e circunstâncias individuais.

Baseando-nos no exemplo bem-sucedido do SAMS + Saúde, uma colaboração entre o SAMS, a Advance Care e a Tranquilidade, poderíamos conceber um seguro de saúde personalizado para as necessidades específicas dos Advogados e Solicitadores.

Este plano garantiria não só acesso a cuidados de saúde de excelência em Portugal, mas também cobertura internacional, assegurando proteção abrangente para profissionais com carreiras cada vez mais globalizadas.

A título ilustrativo, consideremos os seguintes benefícios potenciais para os que optassem por aderir:

  1. Consultas de especialidade: Uma consulta que normalmente custaria 80€ poderia ser acessível por apenas 15€ para os beneficiários inscritos no plano.
  2. Exames de diagnóstico e medicamentos: Redução substancial nos custos de exames médicos (como análises clínicas, ressonâncias magnéticas ou TAC’s) e medicamentos prescritos.
  3. Internamentos: Cobertura ampla para hospitalização, parto e assistência médica ambulatória, com baixos copagamentos.
  4. Medicina dentária: Acesso a tratamentos dentários a preços reduzidos, incluindo ortodontia e implantes.
  5. Bem-estar: Inclusão de serviços de bem-estar, como consultas de nutrição e psicologia, essenciais para gerir o stress inerente à profissão.

Este sistema facultativo não só melhoraria significativamente o acesso a cuidados de saúde para os Advogados e Solicitadores que escolhessem aderir, mas também contribuiria para a sua qualidade de vida e produtividade profissional, representando um avanço substancial na sua proteção social.

A natureza opcional do plano asseguraria que cada Advogado e Solicitador pudesse tomar a decisão que melhor se adequasse à sua situação pessoal e profissional.

Desafios e oportunidades

A implementação de um sistema híbrido não está isenta de desafios. Será necessário um estudo aprofundado para garantir a viabilidade financeira a longo prazo e a equidade entre gerações. Além disso, a transição de um sistema para outro requereria um planeamento cuidadoso para proteger os direitos adquiridos e as expectativas dos atuais beneficiários.

No entanto, as oportunidades são significativas. Um sistema híbrido poderia:

  1. Oferecer maior flexibilidade de escolha aos Advogados e Solicitadores.
  2. Melhorar significativamente a proteção em todas as fases da vida profissional.
  3. Aumentar a adesão e o cumprimento das contribuições, fortalecendo a sustentabilidade do sistema.
  4. Adaptar-se melhor às mudanças no mercado de trabalho e na própria profissão.

Um debate urgente e necessário

O futuro da previdência dos Advogados e Solicitadores não pode ser decidido às pressas ou sem um debate amplo e informado. A possibilidade de um sistema híbrido merece ser seriamente considerada e discutida por todos os envolvidos.

É fundamental que seja encontrada uma solução que não apenas proteja adequadamente os seus beneficiários, mas que também seja sustentável a longo prazo. O futuro da Advocacia e da Solicitadoria portuguesas depende das decisões que forem tomadas hoje sobre a nossa previdência.