A coberto de uma deturpação do conceito de ética republicana, de alguma ligação, ainda que remota ou forjada, ao 25 de Abril, da pertença ao sector da academia impenitente nas diversas derivações do pensamento de Marx, da fruição de favores da imprensa, do gozo fugaz de um sucesso breve no nacional cançonetismo, Portugal tem uma legião de relíquias sempre pronta a pôr os portugueses na ordem.
Alimentam-se de reconhecimento e elogios mútuos, contam imenso uns para os outros e julgam-se os donos disto tudo. Incomodam-se e insurgem-se sempre que o povo sai das baias, não tardam no raspanete e no sempiterno manifesto. Os amigos lá os vão ajudando. Não há mais endocrinologistas credíveis para a televisão portuguesa, a não ser a terrorista Isabel do Carmo. A autoria de Abril concentra-se hoje em exclusivo em Vasco Lourenço, que criou a propósito o novel título pessoal de “Capitão de Abril”.
Rosário Gama, tanto se mascara de defensora dos reformados, como censura a liberdade de imprensa, como abraça qualquer causa que tenha por fim impedir o mais pequeno beliscão aos superiores interesses do Largo do Rato. Diana Andringa e Carvalho da Silva escondem a sua militância sindical e compromisso de facção. Podíamos continuar detalhadamente e sem fim.
No último episódio da saga educadora do povo, vieram os ilustres, seguramente numa saudosa evocação de Saramago, reclamar censura para as notícias das televisões. Não admitem que se mostrem filas de ambulâncias, que se discuta com transparência a falência dos serviços de saúde no pico da pandemia, que se aborde as opções dramáticas entre quem vive e quem morre; muito menos, que se faça qualquer ligação entre este caos e o poder político de esquerda! Basicamente, os mesmíssimos que saíam diariamente à rua para chamar carniceiro insensível a Passos Coelho, durante a recuperação da bancarrota socialista, exigem agora silêncio em relação a Costa, uma inocente vítima das circunstâncias.
Naquelas cabeças, deveria haver nos estúdios da Tóbis Portuguesa uma fachada de um moderno hospital, onde uma ambulância reluzente esperaria a chamada para um caso isolado de Covid, e uma sala com apelativos aparelhos, onde Costa e o seu séquito apareceriam ao país junto de doentes robustos, bem penteados, com pijamas imaculados do SNS vestidos. Os números, essa permanente chatice para a esquerda, seriam tratados em absoluta discrição, para não alarmar o povo. Depois da reportagem de três minutos na Tóbis, viria a notícia sobre a deslocação do coral de Vladivostok à ópera de Minsk.
Os mesmos do manifesto, ou primos dos mesmos, a que se junta a nova geração das causas e um ou outro idiota disperso, vieram tonitruantes massacrar a memória de Marcelino da Mata. O camarada Rosas não hesitou em declarar Marcelino criminoso de guerra, com base numa coisa que leu no Facebook. Classificou-o como traidor do seu povo, por combater no seu exército nacional os terroristas que barbaramente lhe assassinaram a família e lá admitiu que deveria haver uma qualquer espécie de julgamento antes dos fuzilamentos em massa. Os camaradas acharam tudo normal, não houve comunicado, só diferentes derivações do discurso do iluminado camarada Rosas.
Numa penada, há um enxovalho e uma renúncia indigna à honra e memória de todos os portugueses de África que combateram na defesa do que era então Portugal. Mais, numa atitude profundamente racista, rebaixaram sem escrúpulo milhares de africanos, remetendo-os a seres sem vontade própria, meros instrumentos de propaganda do regime salazarista. O voto de pesar de Marcelino da Mata foi uma vergonha para o Parlamento. Valeu o bom senso do CEMGFA e do Presidente da República, para que Portugal não se cobrisse de vergonha nesta hora triste.
Na mesma senda, um soturno deputado, que tem mais de descenso do que de ascenso, lembrou-se de incendiar ainda mais as hostes revisionistas do ódio, tradicionalmente lideradas pelo Sr. Ba e pela Sra. Katar Moreira, reclamando a destruição do Padrão dos Descobrimentos! O problema seria um mix de presença salazarista no imaginário luso e a necessidade de um arrependimento colectivo sobre a história do povo que deu a primeira globalização ao mundo. Que saudades dos tempos em que de Trás-os-Montes vinha para Lisboa um Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, tonto, sem dúvida, mas modesto na propagação da idiotice, por muito que se deslumbrasse com os salões da capital.
Convenhamos, é muita imbecilidade pública e notória, realmente difícil de suportar. É um ataque à democracia, à honra, à memória, à concórdia e à História de Portugal. É um rastilho para incendiar os mais impacientes, os mais viscerais. Como em tudo, há quem não tenha a temperança de esperar pelo triunfo da razão e do bom senso, há quem ache que os desequilíbrios só se corrigem com desequilíbrios de opostos; o famoso olho por olho, dente por dente. É assim que se explica a petição perfeitamente estúpida a exigir a deportação do Sr. Ba. É assim que se pode interpretar o passeio da Sra. Le Pen por Lisboa. É daqui que nasce a justificação para o racismo, xenofobia e populismo hard core que temos vindo a ver revelar-se onde antes havia bom senso e moderação. Muitos são oportunistas de má fé, mas muitíssimos são gente que esgotou a paciência e prescindiu do critério e da razão em troca da resposta proporcional à agressão desta esquerda asfixiante.
Uma nota final, para felicitar Miguel Castelo Branco e a Nova Portugalidade, bem como Fernando Medina, por resistirem a tudo o que acima se disse, e terem investido na razão e no diálogo para encontrar uma solução digna para os Brasões da Praça do Império. As grandes questões resolvem-se entre homens dignos e de bom senso, pela via da negociação e do encontro de pontos de convergência; nunca nada se resolveu com sanguinários em apedrejamento entre trincheiras. Isso, é a entropia dos extremos.