O balanço relativamente à evolução da pandemia aparente ter atingido um estágio de aparente regresso a uma fase de normalidade, e suportado numa série de evoluções no campo da ciência e medicina, com notícias favoráveis relativamente ao desenvolvimento de vacinas, tratamentos antivirais ou aumento da capacidade de camas e equipamentos nas unidades de cuidados intensivos. Apesar de se registar um aumento relativo do número de casos na Europa à medida que se vão retirando restrições de mobilidade, a situação geral parece estar para já muito circunscrita a alguns países (como Espanha ou Bélgica), e com as taxas de mortalidade bastante mais baixas do que o registado nos meses de março e abril.

Em conjunto com a recente implementação de apoios monetários e incentivos às economias europeias, as expetativas de uma recuperação económica rápida (ou em “V”) aumentaram significativamente – até pela razão de que os principais blocos económicos e parceiros comercias europeus, China e Estados Unidos, estão também a retirar as restrições à mobilidade. Perante estas evidências, que comportam alguns riscos, de que forma poderemos esperar que aconteça a recuperação alicerçada, em primeiro lugar, na redução das restrições à mobilidade e, depois, nos apoios que vêm das novas respostas e incentivos da União Europeia? E o que esperar para Portugal?

A primeira premissa: achatar a curva de risco de uma segunda vaga e evitar novo confinamento

Muito tem sido feito em termos de medidas, hábitos e inovação por parte dos países mais afetados na Europa, e também nos seus principais parceiros comerciais, como os Estados Unidos e a China. Apesar de no resto do mundo se verificar ainda um aumento significativo de casos e das respetivas taxas de mortalidade, nos grandes blocos económicos parecem existir razões para acreditar que uma segunda vaga poderá exigir a implementação de medidas draconianas de restrições à mobilidade individual.

E este é um argumento de peso – o de que a infraestrutura de suporte melhorou. Recorde-se que a razão essencial para a imposição de confinamento generalizado esteve relacionada com a gestão da capacidade dos sistemas de saúde, e assim evitar o seu colapso. Esta situação lançou o mundo numa corrida por equipamentos médicos – como ventiladores, kits teste e equipamentos de proteção – e adaptação de estruturas hospitalares para poderem absorver mais pacientes com necessidade de internamento. Adicionalmente, existem mais protocolos colocados em prática, relativamente a testes, eventos e cuidados a ter nas diversas fases de combate na frente sanitária.

Acresce que novos hábitos sociais estão agora mais enraizados na sociedade. O distanciamento social, a utilização de máscaras proteção e a lavagem frequente das mãos, assim como os cuidados a ter na utilização de transportes públicos são situações que se encontram mais instituídas enquanto rotinas diárias. Estas condições estendem-se à adaptação do tecido empresarial, onde os mecanismos de teletrabalho também vieram permitir – sobretudo nos sectores de serviços onde a possibilidade de colocar em prática é maior – um sistema seguro de gerir, em condições controladas, as rotinas de atividade das empresas.

Mesmo alguns sectores mais sensíveis, como o caso da restauração e outros pequenos negócios de rua, têm encontrado algumas alternativas para funcionar em segurança, embora nestes casos a situação acabe, efetivamente, por ser mais sensível – mas muito mais por razão da enorme fragilidade que as pequenas empresas apresentam em termos de tesouraria para fazer face a investimentos de adaptação de negócio.

Ainda assim, a generalidade dos países europeus encontra-se mais bem preparada para acomodar aumentos dos casos de Covid-19, implementando eventualmente algumas restrições, mas com uma probabilidade menor de confinamento total, e, portanto, com menor impacto económico. Esta será de facto a prioridade, a de evitar um novo lock down geral que é a de gerir um equilíbrio entre a severidade económica e a severidade sanitária durante uma segunda vaga do vírus no último terço do ano, e primeiros meses de 2021.

A recuperação assentará em dois momentos: flexibilização como primeiro catalisador para uma recuperação “mecânica”

A recessão de 2020 foi única no que diz respeito à sua natureza e profundidade, pelo menos no que diz respeito à memória mais recente. A saída da mesma deverá ser, por isso, caraterizada por uma recuperação igualmente única – e potencialmente faseada em dois ciclos.

O primeiro ciclo de recuperação poderá ser particularmente robusto, o que é perfeitamente compreensível, pois será espoletado pela progressiva redução e flexibilização das medidas de confinamento e restrições de mobilidade, o que eliminará muitas das restrições que pesam atualmente sobre a atividade de produção e custos. Ou seja, os aumentos sequenciais mensais na produção acabam por dar origem a um efeito de base significativo, quando se compara o crescimento de um determinado trimestre com o anterior. Isso implica que, após um potencial desempenho forte no terceiro trimestre, também o último trimestre do ano possa vir a beneficiar de um efeito de repercussão em termos de crescimento da atividade.

Na verdade, este é um processo – o levantamento das restrições – que muitos observadores e analistas têm vindo a apontar que poderá prolongar-se até ao início de 2021, pelo que esta primeira vaga de recuperação deverá acompanhar este período.

Os estímulos serão bastante importantes para alimentar a confiança na procura

Depois deste efeito inicial, numa segunda fase o crescimento terá de ser impulsionado pela procura. Sabemos, a título de exemplo, que as acentuadas quebras na procura induzidas pelas restrições de mobilidade, geraram alguns níveis de poupanças, sobretudo nos países economicamente mais fortes. Ou seja, numa fase de maior restabelecimento da normalidade, importa saber aproveitar esse potencial para dar um impulso considerável ao consumo. A Comissão Europeia prevê uma recuperação robusta em 2021 do PIB (6,1%), mas muito dependerá na forma como os estímulos anunciados recentemente para a Europa conseguirem criar a confiança necessária nas famílias relativamente ao emprego.

Obviamente, uma deterioração significativa nas perspetivas de emprego significaria que as poupanças forçadas durante o bloqueio se transformassem em poupanças de precaução, com implicações na procura interna e consequentemente de crescimento, colocando em causa um segundo ciclo de recuperação mais impetuoso.

‘Bottoms up’: estímulos cruciais para dinamizar a confiança; “reconfinar”, um cenário improvável

Os principais mercados financeiros continuam a antecipar expetativas de uma recuperação sustentada nos próximos trimestres, seja esta retoma em “V”, ou num formato mais gradual, ou prolongado no tempo. No entanto, muito depende do sucesso da implementação de estímulos que, para Portugal, será de todo crucial para determinar a capacidade de voltar a crescer em 2021.

É claro que os sinais de risco de uma segunda vaga para já não levantam preocupações significativas quanto ao risco de um regresso a um estado de emergência. Mas esta eventualidade seria um risco bastante significativo para alguns países com elevada exposição a sectores que levarão muito tempo a recuperar, como é o caso português. E voltar ao estado de emergência é uma opção que já não é comportável. Teria custos sociais dramáticos.

Importa por isso restaurar a confiança relativamente à implementação do pacote de suporte europeu, e proteger os agentes do ecossistema de emprego. Por um lado, as famílias são confrontadas com a incerteza de perca de rendimento devido a perspetivas sombrias do mercado de trabalho, por outro as empresas também apresentam relutância em contratar novos funcionários devido à falta de visibilidade. Tal comportamento, em combinação com o aumento significativo do endividamento corporativo durante o período de confinamento e a falta de visibilidade relativamente ao futuro, poderá acabar por influenciar as intenções de investimento das empresas. Assim sendo, muito dependerá do sucesso da implementação rápida e eficaz dos pacotes de estímulos europeus.