As últimas semanas ficarão, para sempre, na memória dos portugueses, pelo desafio enorme que constituíram e pela sua absoluta singularidade. Nunca, em Democracia, o país tinha ficado confinado e assistido à paralisação quase total da economia.

A generalidade dos cidadãos portugueses ficou consciente dos constrangimentos inerentes à pandemia e ficou, responsavelmente, confinada em casa. Não se percebe, portanto, as autorizações especiais para as comemorações do 1º de Maio e que a mobilidade entre concelhos, totalmente interdita aos demais cidadãos, fosse autorizada para um grupo especial de manifestantes.

Compreende-se a importância da comemoração do Dia do Trabalhador e do seu simbolismo, que deve ser respeitado, mas este ano devia ser diferente, e nos moldes em que foi realizada e autorizada, o Governo, deu um sinal contrário. Afinal como foi possível permitir, em moldes especiais, uma comemoração, enquanto os outros cidadãos não se podiam deslocar? O Governo, que é para todos os cidadãos, falhou perante todos aqueles que ficaram circunscritos ao seu concelho de residência.

Infelizmente, para a maioria dos cidadãos que sofrem os efeitos da perda de rendimentos inerente ao lay-off, o Governo falhou, estrondosamente, no pagamento atempado às empresas. Inicialmente, o problema deveu-se à não validação de ficheiros pela Segurança Social, que posteriormente passaram a ser aceites sem alteração ulterior. Desde Março que se sabia da necessidade de agilizar os mecanismos de lay-off.

No caso do processamento do IRS, as devoluções não são mais do que o próprio nome indica: devoluções. O Estado cobra a mais, mensalmente, e devolve o empréstimo forçado dos contribuintes, a juro zero, no ano subsequente. Mais uma vez, o Governo voltou a falhar. Embora se compreenda que os funcionários das Finanças estejam em teletrabalho, as instruções deviam ter sido no sentido da devolução ser ainda mais rápida do que em anos anteriores.

Podia ter ficado convencionado que caso não existissem divergências declarativas, a liquidação seria imediata, fiscalizando-se posteriormente as mesmas. Porque muitas pessoas ficaram sem trabalho ou com a actividade profissional reduzida a zero, porque o dinheiro do lay-off não chegou na devida altura, era urgente esta devolução, porque mais do que nunca é importante injectar liquidez na economia, embora, legalmente, o prazo para a devolução do IRS seja o final de Julho. Na prática, a referida devolução, nos últimos anos, tem sido duas a três semanas após a entrega das declarações.

A crise epidemiológica que os portugueses sofrem devia ter sido encarada, pelo Governo, como a hora do Estado. Do Estado que não falha, do Estado que cumpre, do Estado solidário e presente. Infelizmente não foi isso que se verificou. O impossível foi conseguido pelos profissionais de saúde, da educação e das forças armadas e de segurança. Estes e muitos outros não falharam. A vontade de Costa em agradar aos seus públicos mais próximos foi provocando derivas sucessivas na governação. Num momento de emergência, não há públicos preferenciais, há portugueses. E leis que se aplicam a todos, sem excepção.

O que se testemunhou foram leis avulsas e à medida, em que cada público foi colocando uma equação ao primeiro-ministro, restringindo-o num autêntico sistema de restrições, que na verdade são variáveis e equações políticas que Costa terá que resolver. E, como se sabe, e é aqui que reside o problema, nem todos os sistemas de equações têm solução.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.