O trabalho de James J. Heckman, Nobel da Economia, em 2000, no campo do desenvolvimento na primeira infância, tem sido um importante contributo e chamada de atenção para a relevância do investimento nas crianças. Pode, também, ser reconhecido como uma mudança bem-vinda no que respeita à forma limitada como a Economia, enquanto disciplina, tem prestado atenção, tratado e explicado o papel (económico) das crianças.

Nesta visão mais tradicional incluem-se ideias como: as crianças são “bens de consumo”, que contribuem para a felicidade dos pais, as crianças são “bens de produção”, que contribuem para o rendimento do agregado familiar, ou as crianças são “bens de investimento”, que sustentarão os pais aquando da velhice destes. A terminologia e o discurso implícito nestas abordagens sofrem de limitações, podendo mesmo ser considerados repreensíveis.

A teoria de James J. Heckman poderá ser vista como uma viragem no discurso. A Equação de Heckman, como é conhecida, determina que o investimento no desenvolvimento na primeira infância (sobretudo em crianças carenciadas), o desenvolvimento precoce de competências cognitivas, sociais e hábitos de saúde e, ainda, o sustentar do desenvolvimento na primeira infância com uma educação eficaz até à idade adulta são fatores geradores de ganhos sociais – isto é, “Investir + Desenvolver + Sustentar = Ganhar”.

Esta conclusão resulta da análise de décadas de dados sobre programas de desenvolvimento na primeira infância, nomeadamente o Perry Preschool Project, implementado nos Estados Unidos da América no início da década de 60 do século XX e que se prolonga até aos dias de hoje. O projeto tinha como objetivo principal perceber se o acesso a educação de alta qualidade teria, ou não, impactos positivos sobre as crianças em idade pré-escolar e sobre as suas comunidades.

Os diversos estudos conduzidos, nomeadamente por James J. Heckman, concluem que o projeto gerou, efetivamente, ganhos significativos para as crianças participantes, tais como melhores resultados escolares e impactos positivos na sua saúde. Mais recentemente, Heckman concluiu que esses ganhos estendem-se até aos atuais filhos das crianças – na altura – participantes no projeto. E não são apenas as crianças participantes e suas famílias que beneficiam com este tipo de intervenção, a sociedade também, nomeadamente em termos de poupanças relacionadas com educação, proteção social e criminalidade.

O trabalho de James J. Heckman sustenta e justifica, assim, a promoção de intervenções precoces, impulsionadoras do desenvolvimento humano logo a partir da infância, que, em simultâneo, contribuem para a redução de desigualdades (como já discutido aqui num artigo anterior) e que beneficiam a sociedade como um todo.

Importa, no entanto, explorar melhor o argumento de Heckman quanto aos ganhos sociais que advêm do investimento nas crianças. A importância deste investimento não está em causa, pelo contrário. Mas os ganhos sociais que Heckman salienta na sua equação são ganhos em termos de geração de uma força de trabalho mais capaz e produtiva que traga dividendos à sociedade. De acordo com este raciocínio, o fim último do investimento nas crianças não será o seu bem-estar e o desenvolvimento humano, mas sim o retorno em termos produtivos. O que importa são os ganhos económicos.

É legítimo, então, perguntar: representará a teoria de Heckman uma verdadeira mudança na abordagem da Economia ao bem-estar das crianças ou será a Equação de Heckman apenas uma versão diferente da mesma visão “as crianças são bens de investimento”?