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Era da contabilidade eletrónica nas cotadas arranca já em 2020

O setor da contabilidade terá muito para assimilar depois da revisão do projeto “IFRS Taxonomy”, mas os especialistas consultados pelo JE alertam ainda para outros desafios como a retenção de talento.
20 Outubro 2019, 12h00

Em abril de 2014, o International Accounting Standards Board (IASB) constituiu um grupo de trabalho com o objetivo de desenvolver um guia que implementasse um reporte de demonstrações financeiras eletrónico de acordo com as International Financial Reporting Standards (IFRS). Em junho de 2019, a European Securities and Markets Authorities aprovou o regime European Single Eletronic Format “que visa harmonizar as regras de transparência na preparação e divulgação da informação financeira anual”, explica Paulo André, managing partner da consultora Baker Tilly.

As alterações vão ocorrer em duas fases: às principais demonstrações financeiras, a partir de 1 de janeiro de 2020, e às notas às demonstrações financeiras, a partir de 1 de janeiro de 2022.

Por outras palavras, a revisão do projeto “IFRS Taxonomy” levado a cabo pelo IASB criou novas regras segundo as quais “todas as empresas cotadas em bolsa terão de preparar o seu relato financeiro anual usando sistemas atualizados de relatórios em formato eletrónico ou digital (en formato XTML ou iXBRL)”, diz Rui Almeida, CEO da Moneris.

A revisão da “IFRS Taxonomy” constitui “um passo importante no sentido de uma cada vez mais homogénea apresentação da posição e desempenho financieo das entidades europeias”, e irá promover “a acessibilidade e comparatibilidade das demonstrações financeiras”, adianta.

“Como tal, [a revisão] é positiva na promoção do investimento nas empresas no espaço europeu”, defende Rui Almeida.

Mas o CEO da Moneris sublinha que “coloca enormes desafios no que se refere ao modelo de divulgação aplicável às entidades cotadas em bolsa, sendo obrigatória a conformidade com o designado Formato Eletrónico Único Europeu”.

Por sua vez, Paulo André refere que a revisão do “IFRS Taxonomy” se insere “numa tentativa de harmonização de procedimentos ao nível de reporte das peças financeiras e à introdução de mecanismos de controlo cada vez mais minuciosos”, o que tem contribuído para a introdução de ferramentas informáticas que visam “a produção de informação financeira como também a sua validação”.

No entanto, salienta o managing partner da Baker Tilly, “a implementação das taxonomias não foi efetuada tendo em conta as tipologias de todos os clientes e a realidade de algumas operações”. Consequentemente, a revisão levada a cabo pelo IASB “vai constituir um trabalho adicional para as empresas de contabilidade e outsourcing no sentido de adaptarem as suas contas finais de forma a que as demonstrações financeiras que resultam da aplicação das taxonomias seja consistente e comparável com exercícios anteriores”, lamenta Paulo André.

Alguns consultores prevêem um ano de 2020 menos complexo e desafiante para os contabilistas porque não haverá novas alterações legislativas a ter impacto no setor. Mas nem Paulo André nem Rui Almeida partilham desta opinião.

“Em 2020 não haverá alterações, mas há ainda um trabalho de aprendizagem por parte dos clientes na aplicação correcta destas novas normas, sendo um desafio para a profissão, partilhar conhecimento com os clientes, para que as organizações passem a interpretar e implementar estas novas normas de forma correcta. Por certo serão identificados diversas falhas na interpretação e implementação destas novas normas” diz o managing partner da Baker Tilly, que chamou a atenção para outros desafios, como “a faturação eletrónica, a introdução da gestão documental, as taxonomias associadas a uma contabilização mais uniforme, são exemplos a somar às alterações fiscais que estão previstas para o próximo ano”.

Rui Almeida, CEO da Moneris, salienta que “o facto é que há muito para assimilar com estas importantes e estruturantes alterações feitas aos normativos”. E prossegue: “como tal, espera-se que a aplicação de alterações às normas em vigor seja, em 2020, menos desafiante do que as que nos foram proporcionadas nos últimos dois anos”.

 

Contabilista é pouco valorizado em Portugal
Contas certas. É esta talvez a primeira raison d’être de um contabilista. À primeira vista, pode parecer pouco, mas não é.

Qualquer empresa que tenha cuidado com os mapas contabilísticos consegue tirar uma fotografia exacta da situação patrimonial e financeira em determinado ponto no tempo, o que, por sua vez, permite aos titulares de cargos de administração ou de gestão tomar as melhores decisões. Investir em mais um ativo fixo ou ou não? Tendo em conta os fluxos de tesouraria em determinado mês, qual o melhor momento para se pagar as faturas dos fornecimentos e serviços externos? Contas certas permitem responder a estas e a tantas outras perguntas da forma mais pertinente para a empresa.

Só que uma empresa não é indissociável dos stakeholders que a rodeiam. Contas certas são do agrados dos investidores ou de parceiros financeiros que, antes de financiarem uma empresa, analisam as demonstrações de resultados, numa altura em que a atividade de compliance de corporate governance têm assumido um papel cada vez mais preponderante não apenas na atividade empresarial, em especial, mas até na sociedade, em geral.

Mas isto é uma apenas uma dimensão estática de uma profissão que está em permanente mutação, que acompanha não apenas a evolução da realidade económica, mas também o desenvolvimento de novas Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS) que obrigam os profissionais da contabilidade a adaptarem-se a um ‘jogo’ novo.

Um dos desafios mais atuais que os escritórios de contabilidade nacionais têm de saber ultrapassar consiste na manutenção e atração de talento num mundo cada vez mais globalizado e onde abundam oportunidades de trabalho no estrangeiro. “É uma missão cada vez mais difícil”, vinca Rui Almeida, CEO da Moneris. Ainda mais quando, entre as funções que serão prioritárias no processo de recrutamento num futuro próximo no setor dos serviços, se encontram “os cargos de contabilista, controller de gestão, auditor interno e responsável financeiro”, explica o CEO da consultora.

O panorama nacional pode ser um obstáculo para a retenção e atração de talento português, que muitas vezes emigra em busca de melhores condições de trabalho e de se sentir mais importante naorganização. Ou, como lhe chama Rui Almeida, os estudantes que saem atualmente das faculdades “têm um pensamento global e a sua disponibilidade para trabalhar fora do país é hoje muito elevada”.

Um dos motivos que pode explicar a fuga de talento para o estrangeiro é a falta de valorização para o profissional do setor em Portugal. Paulo André, da Baker Tilly, diz que “olhando para o nosso tecido empresarial, o papel secundário que infelizmente ainda é dado ao relato financeiro por muitas organizações, em particular entre as não cotadas, dificulta a retenção de talento”.

“Os contabilistas e a profissão em geral é muito mal remunerada”, alerta Paulo André, que defende que cabe aos titulares dos cargos de gestão das empresas apurar as razões que explicam a fuga destes profissionais para outros países. “Há que inverter esta tendência, acrescentando valor aos serviços”, reclama. “Os contabilistas são cada vez mais business advisors pois acabam por conhecer o negócio dos clientes, a estrutura de custos, as margens, podendo aportar sugestões para a melhoria das operações, bem como preparando ‘reportings’ de cariz operacional e financeiro com informação relevante para a tomada de decisões de negócio”, vinca o managing partner da Baker Tilly.

Os dois gestores têm recorrido a ferramentas que permitem, de alguma forma, mitigar a emigração de talento português para o estrangeiro.

Rui Almeida defende a adoção de um ambiente de trabalho “dinâmico e aprazível”, assim como “um plano de carreira estruturado” e “uma cultura empresarial que permita a mobilidade e a evolução”.

Além disso, o CEO da Moneris chama a atenção para importância dos benefícios, “como os seguros de saúde, a flexibilidade de horários, a formação contínua e, crescentemente, a possibilidade de remote working”.

Na mesma linha, Paulo André defende a aposta numa formação contínua “através de programas inovadores, tecnológicos e linguísticos”.

O managing partner da Baker Tilly sugere que são necessárias “melhores condições físicas de trabalho, mobilidade, flexibilidade de horário, conjugada com salários mais altos e menor carga horária, são fundamentais para reter talentos”, sem esquecer a atribuição de mais responsabilidades aos mais novos, que “estão sedentos de maior responsabilidade, diversidade de tarefas e desafios que puxem pela sua criatividade”.

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