Actualmente, qualquer sujeito sente-se no direito de proferir palavras odiosas nas redes sociais a partir do conforto dos seus aposentos. Nestes novos fóruns adoptam-se comportamentos que não são aceitáveis nos fóruns mais tradicionais porque aí são merecedores de uma reprovação ou repulsa generalizada.

Os perfis virtuais funcionam como escudos para aqueles que optam por proferir palavras odiosas na sombra, não revelando o verdadeiro rosto dos respectivos autores. O exercício do direito à opinião é, muitas vezes, acompanhado de ofensas e agressões. Deste modo, as redes sociais tornaram-se num espaço político virtual para a difusão e ampliação de discursos de ódio.

A tal ponto de, por exemplo, todos os líderes políticos radicais e extremistas possuírem, hoje, contas nas redes sociais e fazerem desses espaços fóruns preferenciais para a divulgação das suas mensagens políticas. Escapando, portanto, ao escrutínio (e até ao contraditório) a que estariam sujeitos numa entrevista ou ao controlo responsável de um órgão de comunicação social.

Esse fenómeno de elevação do ódio a instrumento de acção e de comunicação política nas redes sociais não deveria constituir uma novidade em si, na medida em que o desenvolvimento de um novo meio de comunicação desencadeia uma nova dinâmica no fenómeno social e político.

O surgimento dos regimes de massas (até dos designados partidos de massa ligados ao movimento operário na Europa), por exemplo, só foi possível graças ao desenvolvimento de meios de comunicação de massas, nomeadamente os jornais, rádios e cinemas, todos utilizados na propagação da ideologia nazi e comunista. Posteriormente, a televisão moldou, de forma determinante, os métodos utilizados para criar campanhas eleitorais em regimes democráticos e não democráticos, gerando uma nova dinâmica no contexto da política de massas.

Estamos, indiscutivelmente, numa era singular para a comunicação. A afirmação das redes sociais ditou grandes mudanças na estratégia de comunicação da televisão, dos jornais e das rádios. Qualquer um destes meios acabou por se reestruturar e passou a marcar presença nestas redes. Foram, assim, criadas páginas oficiais com espaços para comentários de espectadores, leitores e ouvintes onde, muitas vezes, impera uma linguagem odiosa e recheada de ataques pessoais. Um estilo consentido e aceite em homenagem à liberdade de expressão. Por isso, marcar presença nas redes sociais e defender aí uma ideia torna-nos mais vulneráveis a ataques e ao insulto fácil e gratuito.

As redes sociais não conseguiram afirmar-se como espaços de consolidação da democracia participativa e inclusiva (paradigma da democracia liberal de John Stuart Mill), consagrando-se, sim, como arenas de propagação política odiosa (tal como alertava Isaiah Berlin ao criticar a defesa intransigente da liberdade expressão de Mill). As redes sociais são hoje espaços de ataques e de consagração de inimizades políticas, particularmente em relação a grupos minoritários que reivindicam os seus direitos.

É, portanto, na tentativa de compreensão da extensão deste fenómeno e do risco sério para democracia que o Governo português pretende lançar um programa para monitorizar o discurso de ódio nas redes sociais. Sendo um caminho que as democracias terão, mais cedo ou mais tarde, que percorrer, porque os regimes democráticos não sobrevivem se os direitos fundamentais dos seus cidadãos não forem salvaguardados ou protegidos pelas autoridades públicas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.