Os filmes que vemos no início da adolescência tendem a marcar-nos mais do que aqueles a que assistimos na idade adulta, porque nos confrontam com problemas que até aí não sabíamos existir.

No meu caso, um desses filmes foi a “Escolha de Sofia”. Nele Sofia, protagonizada por Meryl Streep, faz um relato chocante da escolha que foi forçada a fazer, quando chegou ao campo de concentração de Auschwitz. Um soldado pediu-lhe que escolhesse o filho que seria enviado para a câmara de gás e aquele que seria mandado para o campo de trabalhos forçados, que optasse entre aquele que ia morrer e aquele que iria viver. Não é preciso ser mãe para saber que escolhas como esta dilaceram, para sempre, quem foi forçado a fazê-las.

Lembrei-me do filme, quando esta semana li os relatos de médicos que se encontram a trabalhar no hospital de Bérgamo, uma das zonas mais afetadas pela infeção do coronavírus. Um deles dizia que, todos os dias, um especialista em reanimação “passa revista” aos doentes, para decidir aqueles que, estando a ser ventilados, terão a oportunidade de ser entubados, caso piorem, e aqueles que têm de ser deixados para trás, por não haver recursos para assistir todos.

Desta forma nua e crua, somos não só confrontados com os limites de um sistema de saúde que, mesmo sendo robusto, não é capaz de assistir milhares de doentes com infeções respiratórias graves, mas também com um exemplo vivo do que é um conflito de deveres.

Aos médicos não resta, por isso, se não escolher. Não podendo salvar todos, farão como Sofia, escolherão um, para que pelo menos esse possa sobreviver. Não os podemos censurar, muito menos responsabilizar, desde que a escolha seja feita com base em critérios objetivos, pois não atua ilicitamente quem viola um dever para cumprir outro de natureza superior. Não será, com certeza, fácil fixar esses critérios. Pessoalmente não gostaria de estar no lugar do decisor, quando salvar uma vida implica deixar outra à sua sorte.

A todos nós, individual e coletivamente, cabe-nos ser prudentes para não constituirmos mais um elo de contágio desta cadeia, pois quanto menor for a propagação do vírus, mais escassas serão as chances de termos de fazer as escolhas de Sofia, num futuro próximo. Na verdade, se não podemos responsabilizar o médico que deixa o doente para trás, quando não tem meios para assistir todos, o mesmo já não se poderá dizer daqueles que, através de uma conduta ativa ou omissiva censurável, o colocam na posição de ter de optar.

Como a mera possibilidade de se ser civil e até criminalmente responsabilizado pode, para muitos, não ser suficiente para prevenir comportamentos imprudentes, nunca é demais lembrar que os doentes que são deixados à sua sorte podemos ser nós ou alguém que nos é próximo.