A TAP não é uma empresa qualquer. Num país com uma vastíssima diáspora, espalhada pelos quatro cantos do mundo e incluído numa rede importante de países de cuja história faz parte e com os quais partilha idioma, a TAP é para nós uma ponte para o passado de expansão, uma ligação ao presente universal do nosso povo, e uma ponte para o futuro sem a qual é difícil conceber um desenvolvimento autónomo e soberano.
Existem, pois, razões de política interna ponderosas – a continuidade nacional do nosso povo, onde quer que se encontre – e de política externa, como instrumento de ligação entre os países irmãos e mesmo, entre estes e a União Europeia e, naturalmente, de Portugal com o resto do mundo. Acrescem a estes objetivos a nossa condição particular de destino turístico de exceção. A TAP garante uma capacidade autónoma de encaminhamento de visitantes e, dessa forma, beneficia-nos também contribuindo, através das suas receitas, para as nossas exportações.
Por todas estas razões, sempre defendi que o Estado deveria desempenhar um papel importante na TAP. Não somos a Bélgica, a Áustria ou a Dinamarca. Somos Portugal e no nosso nome há uma História e um Presente que têm que ser servidos e respeitados. Opus-me àquela que teria sido uma entrega catastrófica a Efromovich, ensaiada por Passos Coelho que, na última noite do seu efémero segundo governo, privatizou a empresa de forma duvidosa, mas que, pelas ruas tortuosas da realidade, acabou por permitir ultrapassar alguns dos seus problemas.
Foi possível obter o financiamento que a UE não permitia. Esse financiamento (garantido pelo Estado) trouxe a muitíssimo necessária renovação e crescimento da frota da TAP, hoje uma das mais modernas e eficientes do mundo. Ambas permitiram a diversificação e aumento das rotas, sobretudo para os Estados Unidos. Tudo coroado com um crescimento consequente das receitas.
Em 2015, ano da privatização, a faturação da TAP foi de 2.400 milhões de euros. Em 2019, ela tinha subido para 3.300 milhões, mais 37,5% em quatro anos. O número de passageiros passou de 11,3 milhões em 2015 para 17,2 milhões no ano passado, um salto de 50%. A dívida, de 1.000 milhões em 2015 é hoje de cerca de 900 milhões. Porém, os prejuízos da empresa mantêm-se, refletindo sobre-investimento e dificuldade em encontrar o equilíbrio de custos operacionais que a gestão privada supostamente deveria garantir.
Perante a situação criada pela pandemia, que obrigou à paralisação quase total da frota e – pior – tendo pela frente um longo caminho até que a confiança sanitária reponha o tráfego aéreo, a TAP precisa de capital para pagar os quase 2.000 milhões de euros que investiu na sua frota e para manter a operação e pagar as suas obrigações. Esperam-se milhões de prejuízos, cortes, restruturações, dificuldades de toda a ordem.
O que fazer?
Os privados querem empréstimos garantidos por todos nós sem ceder o controle ou investir mais capital. O Estado, pela voz do ministro da tutela, ameaça com intervenções, até mesmo uma possível nacionalização, deixando cair pelo caminho avaliações depreciativas e ameaças à gestão privada, ajudada por inúmeras crónicas em que a qualidade da sanduiche e o escândalo dos prémios à gestão deficitária ganharam foros de despeito em repetidas crónicas de jornal.
A tentação de intervir numa empresa como a TAP é enorme e compreende-se. Obviamente que a inevitabilidade do empréstimo estatal exigirá que o Estado passe a estar representado na gestão. Mas não há que ceder à tentação de passar a gerir efetivamente a empresa. Tal fazer trará consigo o espectro das disputas laborais politizadas, a gestão entregue a comissários e amigos, exatamente como os que hoje lá se encontram, sem glória ou voz, mas com salário conveniente, que rapidamente será de favor e não de rigor e, na consequência de ambas, o enquistamento dos prejuízos e a entrada em mais um período de declínio da empresa.
Por estas razões, defendo a continuação da gestão profissional da TAP, sem prejuízo de a retirar aos seus atuais e, no mínimo, duvidosos gestores (há melhor por esse mundo fora, e até por cá) mas evitando a todo o custo o regresso a um modelo de propriedade do Estado que não se mostrou capaz de desempoeirar a empresa e dar-lhe asas no passado.
Em resumo, o Estado deve manter-se na TAP e ter uma voz dentro dela para impedir a deslocação do hub, a venda de rotas vitais ou o esvaziamento da assistência técnica da empresa. Mas não deve tentar gerir, como fez no passado. Será na TAP que se fará o teste do algodão deste Governo. Qual das correntes ganhará? A amiga dos mercados, personalizada em Centeno e Siza Vieira ou a radical de esquerda, encabeçada por Pedro Nuno Santos?
Caberá a António Costa a última palavra e aí veremos a verdadeira cor do nosso primeiro-ministro. Esperemos que não caia na óbvia esparrela, criando assim mais problemas para o nosso futuro e para o futuro da TAP.