Uma nova peça da Teoria Económica conta a história de dois bancos centrais, a Reserva Federal e o BCE, que esperam a chegada de Phillips, que traria a inflação. Tudo foi preparado: taxas de juro negativas, défices orçamentais históricos, uma retoma económica de meia década, um mercado de trabalho performante – no caso americano, com a taxa de desemprego a mínimos de várias décadas – e um investimento a arrancar, mas como Beckett escreveu, Phillips nunca mais chega. E também como Beckett escreveu, os dois não se conseguem pôr de acordo sobre onde ou quando exatamente Phillips (a inflação) vai chegar.

Por que razão continuamos com taxas de inflação que em média se situam nos 1,5% (EUA) ou mesmo abaixo de 1% (UE), quando os bancos centrais injetaram liquidez na economia, que engordou os seus balanços de perto de um milhão de milhões de dólares em 2008 para 4,45 milhões de milhões [trillions] de dólares em 2018 (perto de 25% do PIB) no caso da Fed, de 2 milhões de milhões [trillions] de euros para 4,5 milhões de milhões [trillions] de euros (cerca de 40% do PIB da eurozona) no mesmo período no caso do BCE?

Com a retoma, os EUA estão já em unwind, isto é, a reduzir os ativos na sua posse e o BCE terminou as compras líquidas; mas neste panorama, a Fed está preparada para favorecer a subida moderada e gradual da taxa de juro e desacelerar o unwind e manter um maior volume de ativos a longo prazo, criando margem de manobra para reduzir a taxa de juro na próxima viragem do ciclo económico.

Esta semana John William, governador da Fed de Nova Iorque, alertou para os efeitos negativos das baixas expetativas de inflação, ao mesmo tempo que a Fed prepara uma revisão da sua estratégia. Isto quando Mishkin, Hooper e Sufi apresentam um paper avisando que a curva de Phillips não morreu. Talvez não mas, tal como Branca de Neve, espera que o príncipe encantado a acorde.

A baixa taxa de inflação trouxe crescimento reduzido ou nulo dos salários, e fracas expectativas de melhoria do nível de vida – um fantasma europeu é o de vermos chegar uma geração em que os filhos terão um nível de vida abaixo do dos pais. Este desalento na melhoria das condições de vida das famílias tem sido um dos fatores por detrás da subida do populismo e do autoritarismo na Europa, as sereias de canto amplificado nas redes sociais.

Travar este ciclo é importante, mas faltam soluções. O mundo já não é linear, mas a pouca eficácia da política económica torna-o imprevisível, e corremos o risco que se torne aleatório. Os vencedores de ontem tornam-se nos derrotados de hoje, como Di Salvio nas eleições regionais na Sardenha (perdeu quase três quartos do eleitorado) e as fórmulas de sucesso têm vida curta, como mostra o “não” de Nova Iorque à instalação dos HeadQuarters2 da Amazon (e a criação de 25 mil empregos com um salário anual médio de 150 mil dólares). Vamos deixar a poeira assentar, mas agora ela é tanta que parece nevoeiro.