1. A péssima vitória
Votou-se em sede de especialidade, no final da semana passada, a lei da identidade de género. A união das esquerdas fez aprovar em especialidade este projecto-lei, PSD e CDS votaram contra. De modo inexplicável, o CDS terá estado ausente desta votação, apesar de ter feito chegar o seu voto à mesa, de o voto ser contra e ser contabilizado com respeito dos regulamentos. Não há abstenção ou ilegalidade na acção do CDS, mas há uma incompreensível priorização de agenda, um sinal muito preocupante, a somar à ausência da presidente do partido na votação das barrigas de aluguer. O que se buscará com estes sinais? São apenas um censurável desleixo, ou mais uma guinada na fuga ao compromisso com os valores de sempre?
Sem surpresa, para quem segue a agenda de desconstrução social das esquerdas, a lei da identidade de género quer habilitar os jovens de 16 anos a mudar o seu sexo no registo de identificação. É verdade, jovens que não podem beber em público, comprar tabaco ou guiar um automóvel, podem acordar um belo dia e ir ao registo mudar de sexo. Os pais assistirão impotentes e cerceados do seu papel. Os médicos não serão tidos ou achados. O jovem, sem mais, será abandonado à sua sorte. Tudo se conjuga para que actos pouco reflectidos se constituam em estigmas que perdurarão uma vida.
Dizem-nos candidamente que é só no papel, que a cirurgia só virá mais tarde, que o papel é reversível. O “papel” ou é importante, ou não é. Se é importante, ficará sempre a marca, a seriedade do acto. Se não é importante, porquê dedicar-lhe uma lei?
Dizem-nos com ar compungido que os Maneis que querem ser Marias, e as Marias que querem ser Maneis, sofrem horrivelmente, não podem esperar mais! Pelo tal papel? Por quê, afinal? Que querem dar-lhes a seguir ao papel? Porquê os 16 anos e não noutra idade? Porquê o afastamento dos clínicos de todo o processo? Porquê esconder os casos em que o responsável acompanhamento clínico termina sem mudança de sexo?
A ideologia de género, um dos braços armados do processo de desconstrução social em marcha na Europa, não pensou por um momento no interesse, no bem-estar, no futuro destes jovens. Usa-os, instrumentaliza-os, expõe a sua identidade e as suas fragilidades sem escrúpulos, nem remorso. Tudo em nome da tal agenda, do homem novo, sem pátria, sem laços, sem compromissos, sem valores, sem sexo, sem família, em suma, despido de Humanidade.
Quando vejo os xenófobos do burgo apreensivos com a invasão islâmica, constato que não compreenderam rigorosamente nada. O islamismo radical está cá dentro, mas vem de fora; é uma forma de terrorismo visível, que combateremos até ao limite das nossas forças. O que realmente mina as fundações do Ocidente não é o lado radical e terrorista do Islão. A grande corrosão da estrutura social do Ocidente, símbolo da sua força, está cá dentro desde sempre, apresenta-se travestida de abertura e progresso, materializa-se na metódica destruição dos valores mais fortes e duradouros: a vida, a identidade, a família, a ideia da configuração social estabilizada.
2. A excelente derrota
A prisão de Luis Inácio Lula da Silva é a sanção penal decidida por tribunais brasileiros, após análise e julgamento dos factos e circunstâncias que lhe são imputados. Lula foi presidente do Brasil, terá praticado os crimes no Brasil, está a ser julgado no Brasil, de acordo com a lei e o sistema judicial do Brasil. A separação de poderes, presente em todas as democracias do mundo, garante que nenhum cidadão está acima da lei, assegurando ao sistema judicial independência em relação ao poder político. Isto é o sumo, a essência do grande espectáculo mediático a que assistimos nos últimos dias.
Curiosamente, ou não, assistimos também a uma apropriação do acontecimento pelas esquerdas do mundo. A soberania do Brasil, a independência do seu poder judicial, a autonomia das suas instituições, de nada valem quando um camarada é apanhado com a boca na botija, ou melhor, com a mão no triplex. Num chorrilho de disparates, Lula passa a “pai dos pobres” como se o dano ao Estado não fosse dano aos pobres. Lula passa a libertador, moralizador e estadista de sucesso, como se não tivesse sucedido a Fernando Henrique Cardoso. Pode quase dizer-se que a desonestidade dos que incensam Lula rivaliza com a desonestidade do próprio.
Fosse outra pessoa a protagonizar o circo de Lula, do interminável discurso da varanda do sindicato à manipulação inclassificável da Missa, e não faltaria quem rasgasse as vestes, e bem. Fosse outro, e seria tratado como são os que prevaricam. A prisão e morte política de Lula é o apagar da última esperança de um líder carismático e de sucesso para a esquerda. Não tivesse sucumbido à desonestidade e à soberba ditatorial do seu final de mandato, e Lula teria ficado como um estadista moderado nas relações internacionais, equilibrado no respeito da democracia e das instituições e corajoso socialmente.
É verdade, ricos, remediados e pobres gostavam de Lula. Pena que esse Lula temporário e virtuoso tenha morrido às mãos do verdadeiro Lula. Com esse Lula, morreu também a esperança dessas esquerdas. Mas, em vez do luto e da aceitação, cavalgam a negação. Com a experiência de quem conseguiu pôr o facínora Che nas t-shirts dos patetas alegres do mundo, ensaiam agora a canonização do “pai dos pobres” do “Lula ideia”.
Por cá, Catarina Martins chamou à justiça brasileira golpista, reacionária, fascista e racista. Sim, a mesma Catarina que é apoio vital do Governo de Portugal, faz a cada curva a Sra. Le Pen parecer um arauto da liberdade e da democracia. Sim, o sustentáculo do Governo português fez a mais despudorada ingerência, desrespeitou o Estado Brasileiro, as suas instituições, cada um dos seus cidadãos. Em suma, a vergonha do costume.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.