Em poucos anos, o grupo Altice conseguiu tornar-se num dos maiores operadores globais de telecomunicações, através de dois vetores estratégicos diferenciados.
Por um lado, apostou no crescimento por via de aquisições com recurso a dívida bancária, aliada a uma agressiva redução de custos nas empresas adquiridas, com o objetivo de atingir elevadas rentabilidades que lhe permitam sustentar o reembolso da dívida. Por outro lado, desenvolveu uma estratégia operacional de convergência entre a rede de fibra, conteúdos e publicidade para a obtenção de sinergias intragrupo e de uma partilha de conteúdos entre as diferentes geografias.
Esta estratégia simples, mas terrivelmente eficaz, foi subitamente interrompida com a apresentação dos resultados do último trimestre, os quais evidenciam uma fragilidade operacional com a degradação de alguns indicadores económicos. Assim, pairam sobre os credores e investidores quatro ameaças cujo desfecho irá determinar a sustentabilidade do seu modelo de negócio:
- Os 50 mil milhões de dívidas aos bancos: o problema fundamental da dívida nunca é o nível de dívida em si, mas sim a perceção sobre a sua capacidade de reembolso, como os portugueses ainda têm fresco na memória. Devido à sua estratégia de crescimento agressiva, a Altice detém um balanço muito alavancado, sendo a operadora de telecomunicações europeia mais endividada com múltiplos superiores a todas as suas concorrentes.
- A erosão de clientes: por pressão da dívida, a Altice sempre foi um grupo mais focado na gestão financeira do que nos clientes e, por isso, descurou o impacto que as suas práticas agressivas teriam na sua imagem, nomeadamente na forma de lidar com os recursos humanos. A operadora francesa, SFR, representa o coração da Altice com 43% das suas receitas. Desde que foi adquirida pela Altice, em 2014, assistiu a uma perda de 1,5 milhões de clientes, tendo os seus concorrentes no mesmo período crescido em sentido oposto, com o último trimestre a prolongar esta lenta hemorragia, assistindo-se a uma perda de 75 mil subscritores de fibra.
- Contexto europeu: a indústria europeia de telecomunicações encontra-se numa fase de elevada concorrência, originando uma redução das margens dos diferentes negócios e pressionando as empresas fortemente endividadas que detêm um custo adicional associado à remuneração da sua dívida.
- Negócios de streaming: Os consumidores europeus e americanos estão a cortar nos serviços premium de cabo e a consumir conteúdos diretamente a partir da internet, em pleno advento dos serviços de streaming como o Netflix ou a Amazon, com alguns estudos a indicarem que o consumo de televisão irá diminuir 10% até 2021.
Apesar das suas fragilidades, a Altice continua a evidenciar uma blindagem da sua situação financeira e uma diversificação de ativos no setor das telecomunicações, estando neste momento a recentrar a sua estratégia, deixando de parte, por agora, as aquisições e colocando o foco da sua atuação na redução da dívida e centricidade no cliente.
Como Ícaro, a Altice voou tão alto que tem agora as suas asas derretidas pelo sol. Os próximos meses dirão se a inversão da estratégia será suficiente para a sua redenção.