Os Montes Urais são a fronteira natural entre a Europa e a Ásia. A ocidente a fronteira natural é o Oceano Atlântico e a sul o Mar Mediterrâneo. Fixemo-nos nesta geografia. Quando o Muro de Berlim caiu e a União Soviética foi dissolvida, a grande esperança europeia residia, então, numa Europa que fosse de Lisboa aos Urais. Sonho antigo de alguns europeus, essa Europa, entre as duas grandes fronteiras naturais a Ocidente e a Oriente, esteve na origem de duas guerras essenciais para se compreender a contemporaneidade europeia: as invasões Napoleónicas e a Segunda Guerra Mundial.

Procurava-se agora um processo de construção europeia pacífico, em que todos tivessem uma voz. Essa pretensão justificou o alargamento a leste por parte da então Comunidade Europeia (CE) e, também, o início do diálogo com a Rússia, protagonista essencial na estabilização da fronteira euro-asiática. Nesses tempos, a Europa comunitária via-se ainda como um ator que se poderia afirmar como global, reforçando a sua aliança atlântica com os Estados Unidos da América e olhando, agora, para o lado do continente que pretendia atrair para o seu seio. Foram tempos de esperança. A cooperação técnica e militar com a Rússia parecia garantir um eficaz desanuviamento a leste e a transformação dos regimes políticos em democracias pautadas pelos valores defendidos pela CE davam impressão de uma convergência progressiva.

Contudo, o que fazia fechar o século XX, com as melhores das perspetivas para um futuro pacífico, não se concretizou. O século XXI trouxe consigo novas perturbações e as consequências de políticas desajustadas nos países que bordejam o Mediterrâneo e um alargamento a leste da agora União Europeia que se revelou mais complexo do que o esperado. A crise económica e financeira nos países da União Europeia, a par da turbulência política nos países mediterrânicos cujos regimes estavam a ser alvo de contestação, em que alguns casos geraram um quadro de guerra civil, trouxeram novas preocupações para o continente. O empobrecimento dos mais frágeis na sociedade europeia, a desigualdade social e um movimento migratório, vindo de sul e trazendo os fugidos à guerra e à falta de perspetivas nos seus países a sul do Mediterrâneo.

Todos estes elementos lançaram novos olhares intrínsecos para uma Europa que se viu confrontada com um alargamento a geografias afinal pouco conhecidas a um mal-estar interno que faz questionar, cada vez mais, as elites políticas. Os mecanismos de convergência foram questionados pela desigualdade entre países e cidadãos e um alargamento ainda baseado nas perspetivas de um mercado económico comum, em vez da pretendida convergência política que agora a União Europeia exigia.

A simultaneidade do alargamento e aprofundamento das instituições da União demonstrava as próprias fraquezas da coesão existente na própria organização. A distância entre cidadãos e instituições políticas agudiza-se e cria-se espaço para o surgimento de extremismos nacionalistas numa Europa cuja coesão depende, em parte, do combate a outros extremismos que perigam o seu modo de vida.

Que Europa é esta?

A Europa que vai a votos este fim de semana é a mesma que se depara com ameaças internas e externas à sua estabilidade e valores que estiveram na fundação da CECA (Comunidade do Carvão e do Aço) que veio a gerar a CEE (Comunidade Económica Europeia). O que se perdeu no caminho? Terá sido demasiado ambiciosa ou ficado aquém do que era esperado? Atrevo-me a dizer que a Europa foi demasiado ambiciosa na construção de uma União alargada e aprofundada internamente e pouco ousada na política externa.

Internamente quis rapidamente atrair mais membros, trazendo-os para a sua perspetiva económica e política, muitas vezes ignorando as especificidades de cada país. Externamente seguia as orientações norte-americanas, esquecendo que os territórios debaixo de turbulência e alvo de disputa e intervenção internacional estavam na sua fronteira. Internacionalmente, a Europa perdeu peso, internamente viu nascer, pela primeira vez, uma oposição política que pode perigar a sua própria existência.

Incapaz de manter diálogos externos bilaterais, acaba por ficar como espetadora em todos os conflitos que marcaram o futuro. Das guerras convencionais às guerras económicas e cibernéticas tem sido mais espetadora do que atora. Essa ausência de iniciativa no espaço internacional está patente na sua inexistência nos diálogos estabelecidos em torno das grandes disputas internacionais. É neste contexto de deceção de uns e de tentativa de recuperação da confiança do eleitorado por parte de outros que se vai a eleições nesta Europa.

Mais do que votar para escolher um partido, os europeus irão escolher propostas que ditarão o rumo a seguir. Contudo, nestes jogos de contrários, aparentemente, não existe nenhuma verdadeira ideia para trazer a Europa de volta aos grandes cenários da política internacional que não sejam a manutenção do atual statu quo ou a viragem para os nacionalismos e populismos, ancorados em alianças bilaterais.

Significa isto que muito provavelmente a Europa será empurrada para ator regional, afastando-se das grandes questões globais, apesar da sua importância em boa parte dos temas globais da atualidade, como a questão das alterações climáticas, da salvaguarda dos oceanos e dos direitos de cidadania e humanidade. Questões que não dizem apenas respeito à Europa nem são apenas discutidos no seio deste continente, mas que foram originalmente colocados como temas globais por este ator internacional.

A agravar a situação temos o Brexit, em que a Grã-Bretanha parece muito pouco decidida acerca do que quer para o futuro, mas cujo discurso interno aponta para a reconstituição de laços antigos que a desligarão ainda mais do continente europeu e a ligarão aos mares como conexão. A fronteira com o Atlântico ficará, pois, em Portugal, como ponto mais ocidental da Europa, e como posto avançado insular permanece a Irlanda. O Sul continuará a enfrentar um problema que deveria ser traduzido numa cooperação com os estados a sul do Mar Mediterrâneo como única forma de colaborar para a solução do problema das migrações e da perda de vidas neste mar. A área continental terá de interagir com estas múltiplas fronteiras e ameaças de um modo exigente e, preferencialmente, com o contributo dos cidadãos europeus, porque estes são problemas com os quais terão de se confrontar.

Olhares dos Urais

E na outra fronteira, o que está? Está a Rússia. Rússia e Europa ocidental trocam olhares desconfiados, sobretudo, desde que a NATO (Organização Tratado do Atlântico Norte) se aproximou da fronteira ocidental deste país. Contudo, a Rússia continua a considerar a Europa ocidental como um parceiro essencial para o diálogo regional e para a estabilização da região euro-asiática.

Isso mesmo foi valorizado recentemente na VIII Conferência Internacional de Segurança em Moscovo. Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, declarou a necessidade da criação e manutenção do diálogo estrutural para reduzir riscos e prevenir incidentes. A mensagem do presidente Vladimir Putin a esta conferência referia também a Europa como um elemento chave da segurança regional. Neste sentido, parece que do lado dos Urais, a par de um olhar desconfiado, vem também uma esperança de diálogo, essencial para negociar em áreas tão importantes para o futuro da Europa como as migrações ou o terrorismo.

Contudo, cabe-nos colocar a questão: durante quanto tempo poderemos manter a designação Euro-Ásia, quando os movimentos mais enérgicos em termos de aproximação e de política externa vêm de oriente para ocidente? Por iniciativa da República Popular da China criou-se a primeira organização internacional proposta por este país, a Organização de Cooperação de Xangai, que visa a manutenção da segurança e defesa dos países euro-asiáticos. À China, juntou-se à Rússia, o Cazaquistão, o Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão e, mais recentemente, a Índia e o Paquistão para lidar com as ameaças de secessão e em simultâneo para debelar o terrorismo. Embora o objetivo seja sobretudo a troca de experiências e informação nesta área, a verdade é que a organização se tem diversificado, e neste momento suporta instituições de apoio ao desenvolvimento económico e à juventude.

Este novo poder que nasce junto à fronteira leste da Europa deveria constituir um dos parceiros de diálogo da União Europeia, mas não o tem sido, ao contrário da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) que assim assegura a sua colaboração na área sensível da Ásia-Pacífico.

Assim, o sonho de uma Europa desde Lisboa aos Urais está ainda longe de se concretizar, e sem a instauração de um diálogo frutífero será apenas uma miragem. Porém, parece que parte da solução para os problemas da Europa terão mesmo de passar por esse diálogo, essencialmente, no que concerne o terrorismo e as migrações. É pena que nos debates eleitorais em nenhum país se tenham discutido as políticas externas da União Europeia nem a necessidade de novas políticas que incrementem o grau de coesão entre países e cidadãos. Assim sendo, e apesar de determinantes, os votos de dia 26 de maio precisarão de ser complementados por uma forte ação cívica, orientadora nestas questões que ficaram por resolver. O clima, as migrações ou o terrorismo não são apenas problemas dos países da União Europeia. São problemas de toda a região e de todo o mundo.