A atualidade noticiosa em Portugal tem sido dominada por temas como o pandemia de Covid-19 e as eleições legislativas marcadas para o final deste mês, deixando para segundo plano a tensão crescente entre o Ocidente e a Rússia, tendo como palco a Ucrânia. Porém, o desfecho deste braço de ferro na Europa de Leste terá implicações significativas para a segurança de todo o continente, Portugal incluído.

Para a Rússia, estão em causa os seus interesses vitais. Uma Ucrânia pertencente à NATO e à União Europeia seria encarada pelo Kremlin como uma ameaça existencial. Para o Ocidente, trata-se da defesa de uma democracia nascente numa localização estratégica, que constitui uma espécie de punhal cravado no ventre do revanchista urso russo.

Se a Rússia invadir a Ucrânia, o que farão os Estados Unidos e a Europa? Tudo indica que, dada a impossibilidade de defender a Ucrânia e os elevados riscos envolvidos (nomeadamente o de uma escalada nuclear), a resposta ocidental passará por novas sanções económicas à Rússia e a figuras ligadas ao regime de Putin.

Esta realidade torna necessário um entendimento com a Rússia que garanta a paz e a estabilidade no longo prazo, embora sem ceder nos princípios, tal como tem sugerido o presidente francês, Emmanuel Macron. O problema é que este entendimento não será possível sem a participação dos Estados Unidos, que são quem garante a segurança de uma União Europeia que, para mais e como habitualmente, não fala a uma só voz.

De resto, embora coincidam em temas como a defesa dos direitos humanos e a promoção dos valores democráticos, os interesses dos países da União Europeia não são necessariamente os mesmos que os dos Estados Unidos. Nas palavras de George Friedman, estes últimos, enquanto potência marítima dominante, têm como principal objetivo estratégico impedir que uma grande potência consiga dominar a Eurásia. Esta “grande potência” não seria a Rússia, que não tem população suficiente nem massa crítica para tal, mas uma resultante da aliança entre, por um lado, o capital e a tecnologia da Alemanha e, do outro, os gigantescos recursos naturais da Rússia.

Daí que, segundo este autor, as potências marítimas – Estados Unidos e Reino Unido – estejam determinadas em traçar uma separação entre a União Europeia e a Rússia, contando para tal com a ajuda de países como a Polónia, os estados bálticos e a Hungria, que – com razão – não têm saudades do domínio russo.

Porém, convém lembrar, a Rússia é uma nação europeia com mais de mil anos de história. Até 1917, fazia parte do sistema de alianças do Velho Continente, servindo de contrapeso à Alemanha. E a Rússia de Putin tem mais em comum com esse império dos czares do que com a União Soviética. A solução para garantir a paz não é encurralar a Rússia, mas sim integrá-la na arquitetura de segurança do continente.

A prazo, a União Europeia, com a Alemanha e a França à cabeça – terá de construir um entendimento com a Rússia que preserve os nossos valores democráticos, a defesa dos direitos humanos e a independência da Ucrânia e dos países vizinhos, mas que ao mesmo tempo reduza a tensão e permita uma convivência pacífica. E terá de o fazer sem pôr em causa os laços transatlânticos. Não será fácil.