Deve uma Presidência portuguesa da União Europeia obrigar todas as forças políticas a um compromisso de lealdade, ocultando divergências, para não pôr em causa a imagem externa do país, no semestre de exercício?
Sendo desejável que todos possam remar para o mesmo lado, creio que, nos dias de hoje, num ambiente político tão tenso como o que se vive, será pedir demais que essa tendencial regra possa ser aceite como incontroversa.
Daí que não tenha ficado surpreendido ao ver a denúncia política, feita lá fora pela oposição interna, a propósito do nome de um magistrado indicado pelo governo para um cargo europeu.
Embora num registo bem diferente, decidi lembrar hoje um episódio antigo.
Há mais de duas décadas, quando, no governo, me coube coordenar a fixação do programa da Presidência europeia que iria ser exercida por Portugal, fui a Estrasburgo, para reuniões preparatórias no Parlamento Europeu.
Para além do “caminho das pedras” dos diversos órgãos da instituição, pedi para ver, em privado, os líderes parlamentares dos deputados portugueses.
Expliquei a cada um, com pormenor, a racionalidade das escolhas que o governo tinha feito, na elaboração da agenda para o semestre. (Escusado será dizer que a nossa margem de manobra era então muito maior, encontrando-se hoje as presidências mais limitadas na sua liberdade de ação).
Nas conversas, revelei que não tínhamos colocado no texto do nosso programa a realização de uma Cimeira UE-África, que era nossa intenção organizar e que, aliás, acabaria por vir a constituir um grande sucesso da nossa Presidência.
Porquê essa omissão? Porque, naquele momento, não tínhamos ainda a certeza de poder organizar esse evento. A então Organização da Unidade Africana (OUA), interlocutor africano da UE, não admitia que Marrocos – país que estava fora da organização – estivesse presente na reunião. Para Portugal, por razões óbvias, era impensável organizá-lo sem um parceiro como Marrocos. Em confidência, dei então a conhecer as diligências que estávamos a empreender, mas não me comprometi com um eventual sucesso dessa nossa atividade.
Tinha seguido esse procedimento – uma partilha no pressuposto do sentido de Estado dos meus interlocutores, que julguei unidos pelo desejo de ajudarem ao sucesso da Presidência do seu país – porque me pareceu ser, da minha parte, a assunção de um mínimo de lealdade: os deputados ficariam surpreendidos se um dia tal cimeira viesse a surgir e eu os não tivesse alertado para tal, naquela conversa.
Fui ingénuo. No dia seguinte, um dos responsáveis políticos da oposição em Estrasburgo não resistiu e comentou com os correspondentes da nossa imprensa que sabia que o governo português estava a ter dificuldades em organizar uma cimeira euro-africana.
Os jornalistas, claro, caíram logo sobre mim, inquirindo sobre esse ponto, do qual, na conversa que com eles tivera, eu lhes não havia falado. Felizmente que foi possível concretizar a reunião, caso contrário a grande notícia iria ser esse “falhanço” da nossa Presidência…