Sem surpresa, o BCE, na sua reunião, de 6 de março último, decidiu baixar as taxas de juro de referência em 25 pontos base, fixando a taxa das operações principais de refinanciamento em 2,65%. Esta descida é a sétima seguida, desde setembro de 2023, momento em que esta taxa de referência atinge o seu nível mais elevado, em resultado de um processo de “normalização” da política monetária, iniciado em julho de 2023, na sequência da recuperação económica pós-Covid e das pressões inflacionistas que, entretanto, se desencadearam.

A taxa de referência passou, no curto espaço de um ano, de julho de 2022 a setembro de 2023, de 0%, o nível mais baixo de sempre (de referir que a taxa da facilidade de depósito estava fixada, nesta mesma altura, em -0,5%), até ao pico de 4,5%. Momento em que se inicia um novo processo de descida, de que a mais recente decisão é a última expressão, mas que, provavelmente, não será o fim de um ciclo.

Nesta reunião do BCE foram também publicadas as mais recentes projeções da evolução do PIB na zona euro, verificando-se uma revisão em baixa das projeções anteriores, de dezembro de 2024, em cerca de 0,2 pp, com 0,9% e 1,2%, respetivamente, para 2025 e 2026. A projeção para 2024, foi também revista, embora em ligeira alta, de 0,1 pp, para 0,8%.

Ou seja, a zona euro continua numa situação de quase estagnação que se arrasta há cerca de duas décadas e meia, a qual adquire uma dimensão crítica na fase atual, em resultado da crise profunda em que se encontra a locomotiva europeia, a Alemanha. Mais do que o controle da inflação do que se trata agora é de controlar o desenvolvimento da recessão.

A Fed, terá também a sua próxima reunião de rotina em 17 e 18 deste mesmo mês, onde serão produzidas decisões sobre a taxa de juro de referência que, neste momento, está bastante acima da taxa de juro do euro (intervalo de 4,25% a 4,5%), baseadas em novas projeções sobre a evolução da economia americana. Em qualquer caso, se utilizarmos a atualização do WEO do FMI, de janeiro de 2025, a economia americana terá crescido 2,8% em 2024, projetando-se um crescimento de 2,7% e 2,1%, para 2025 e 2026, respetivamente, o que compara, utilizando as mesmas projeções do FMI, com 0,8%, 1,0% e 1,4%, da Zona euro, para os mesmos anos.

Ou seja, constata-se que o crescimento da economia americana é mais do dobro do crescimento europeu, revelando um dinamismo superior que se vem afirmando há mais tempo. Isto, não obstante, parecerem estar em curso sinais de abrandamento, em resultado da preocupação com os efeitos internos das tarifas anunciadas por Trump.

Entretanto, a Europa iniciou um processo de revisão das suas prioridades económicas que aponta para uma reconversão industrial e uma orientação para o reforço da sua autonomia em matéria de defesa e segurança. O que implica uma alteração profunda dos objetivos e regras de gestão económica, em particular em termos de défice e de dívida pública.

Ao mesmo tempo, a Fed tem em curso a segunda revisão quinquenal do quadro da política monetária, que prevê concluir no verão e que deverá incluir uma análise dos prováveis efeitos das novas medidas de política comercial, política fiscal, imigração e regulação, anunciadas por Trump. Seria igualmente importante que o BCE atualizasse a sua própria revisão, efetuada em julho de 2021, à luz das novas prioridades económicas anunciadas.

Neste contexto de subversão completa de regras de cooperação internacional que ameaça degenerar em nova e profunda recessão global, seria importante que os responsáveis económicos, mantivessem a “cabeça fria”, e pensassem no interesse geral. E seria igualmente importante que, entre a Europa e os Estados Unidos, não se produzisse um processo de afastamento que comprometesse dramaticamente a cooperação entre os dois lados do atlântico.

Os dois bancos centrais, enquanto instituições independentes e no âmbito das suas missões específicas, poderão constituir uma plataforma de diálogo e entendimento entre a Europa e os EUA que possa contribuir para a manutenção da estabilidade económica geral, a curto prazo, e a produção, a médio prazo, de um novo sistema de regras internacionais que permita a reconstituição da dinâmica global de cooperação em novos moldes, mais ajustados às necessidades atuais.