A recente declaração do primeiro-ministro António Costa classificando de “repugnante” a posição do ministro das Finanças holandês Wopke Hoekstra de menorizar os países do sul, foi considerada excessiva por alguns, mas terá servido para espoletar uma discussão sobre a União Europeia e a sua capacidade de intervir globalmente junto dos seus próprios membros. Não apenas num sentido de solidariedade, mas de compreender o fenómeno dos efeitos da pandemia no sistema social e económico no tecido populacional, como também de aceitar o princípio da cidadania europeia expresso nos tratados.

Quando crescem os apelos ao surgimento de um programa da mesma natureza do Plano Marshall para uma Europa destroçada ao nível do pós-guerra, as hesitações demonstram uma real diferença entre os políticos dos Estados-membros que apenas contribuem para um afastamento das pessoas do ideal europeu.

Os responsáveis de cada Estado-membro correm o risco de assumirem, na prática, uma postura crescente de nacionalismo e egoísmo, mesmo que o neguem, ao não contribuir com soluções transversais para os problemas que afetam toda a Europa. Confrontados com questões europeias, nascem atitudes pouco prudentes e mesmo néscias de alguns Estados que não compreendem a dimensão dos problemas, nem demonstram a capacidade de ver longe neste processo de trilhar soluções comuns.

A Europa é um processo global e de futuro, para além da espuma dos dias e da popularidade do momento. Os populistas é que vivem das sondagens e da gestão à vista. Para além da pequenez, estes responsáveis parecem querer ignorar que os países europeus precisam da cooperação recíproca, em matéria de economia, de moeda, de comércio. Onde a mobilidade tem dimensão nos domínios do trabalho ou prestação de serviços ou bens, formação ou turismo. Alargando-se em breve à defesa e segurança comum.

A consolidação deste projeto é a garantia de se impor a outros blocos, como a China, a Rússia e os Estados Unidos, além de outros estados emergentes.

A proposta francesa de construção de uma solução transversal de um mecanismo de solidariedade contribuía para desbravar este caminho, obrigando a uma nova reflexão com o objetivo de criar um mecanismo novo para a intervenção em situação de crise. A recusa imediata de discussão por alguns Estados não constitui bom sinal. A teimosia para encontrar soluções alternativas no quadro dos mecanismos já existentes não reconhece que o problema é europeu, e que tem uma dimensão económica que ultrapassa a zona euro.

Ao contrário do que se tem afirmado, não é pela falta de respostas imediatas que o projeto europeu  irá morrer. Pode tremer com estrondo, como sucedeu na crise das dívidas soberanas, seguindo-se a esta a crise da saída do Reino Unido.

A Europa está condenada ao entendimento. É impensável o regresso às economias nacionais, às fronteiras fechadas, ao restabelecimento de tarifas aduaneiras ou passaportes e autorizações de residência, ou ao regresso dos milhares de cidadãos que se espalharam e fixaram em diversos países da União. Além da fragilização destes perante os ferozes competidores globais, em termos políticos e económicos. A começar por Portugal, mas que abrangeria a totalidade dos Estados-membros.

Pode não haver uma convicção europeia assimilada, mas existe uma consciência da necessidade de uma cooperação generalizada. Em todas as suas dimensões. Para além de lideranças e sensibilidades ideológicas e políticas. Desta crise, há-de sobressair este caminho comum.