Enquanto discutimos como vai ser a convivência de um partido populista, que eu também diria de extrema-direita, com os outros partidos com assento parlamentar como é o caso do Chega, o debate deve ir mais além.

A hipótese (que parece ser certeza) de um governo minoritário que sobreviva quatro anos, as relações entre os deputados dos “pequenos” e dos “grandes” partidos, as relações entre os partidos que integraram a geringonça, e a anunciada futura instabilidade económica internacional – que a acontecer certamente nos atingirá com grande impacto – podem querer dizer que o nosso Inverno vai ser bastante quente, mas duvido que seco.

Vamos por partes, porque me interessa que pensemos bem no que temos em mãos. Um dos maiores estudiosos do populismo e dos partidos de direita radical, Cas Mudde, tem trabalho extenso sobre como estes movimentos e partidos de alguma forma partilham uma espécie de ideologia que se agrega em torno de assuntos como a imigração (são contra) e até a integração supranacional.

A este posicionamento, mais geral, não falta uma certa noção económica que nem sempre é liberal na forma, mas essas são “contas de outro rosário”. Parece ser mais consensual o facto de que o ideário desta direita radical se transmutou, acumulando certos posicionamentos que antes também dominavam o espectro político da esquerda.

Mas há aqui uma distinção a ser feita, e que parece que nos andamos a esquecer: isto não significa que estes partidos são de esquerda. Isto significa que estes partidos se posicionam em certos aspectos próximos de partidos de esquerda, porque lhes “dá jeito”. Também não quer dizer que, caso fossem governo, tomassem medidas nesse sentido.

Muito provavelmente não o fariam, e não o fariam porque não é a sua base ideológica (muitas vezes não têm nenhuma que seja consistente ou mais permanente). Estes posicionamentos ocorrem para garantir votos e, claro, isto também baralha o eleitorado. Mas, acima de tudo, estes partidos anti-sistema querem “afundá-lo” a partir de dentro.

Há pouco mais de duas semanas saiu no European Journal of Political Research um interessante artigo de Jan Rovny e de Jonathan Polk, que explica mais em detalhe como os assuntos abordados pelos partidos de extrema-direita têm vindo a adaptar-se. Há quem diga que existe um ajuste normal e natural nos partidos, que faz parte da sua estratégia de sobrevivência. Mas nestes casos as reviravoltas são mais rápidas e “ao sabor” da opinião pública. Todavia, o eleitor médio, por norma, quererá saber com o que contar e assume que é importante alguma coerência.

Essa base de identificação costuma corresponder a uma série de preferências, alinhamentos e expectativas. Compete assim, a nós, eleitores, às instituições democráticas, aos partidos com presença parlamentar, fazer essa vigilância para que haja accountability. Não penso que ignorar ou desconsiderar estes movimentos, partidos, e sobretudo quem neles votou , resolva alguma coisa.

Aliás, sabemos que não resolve. Institucionalizar parece-me ser o melhor caminho, aquele que trará à tona as incongruências destas extremas-direitas sem permitir que se façam de vítimas e naveguem num mar de desculpas.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.