O panorama político português mudou radicalmente a 18 de maio, com o país a virar à direita: a AD a reforçar a sua presença no Parlamento e o Chega a conquistar o estatuto de líder da oposição, ditando o fim do bipartidarismo que marcou 50 anos de democracia.
Luís Montenegro conseguiu uma maioria (relativa) maior e assegura melhores condições de governabilidade à boleia da hecatombe do PS, remetido para terceira maior força política. Uma espécie de seguro de vida do novo governo, ao antecipar-se que o PS afasta qualquer tentação de provocar novamente eleições e ser penalizado nas urnas.
O candidato a secretário-geral do PS já abriu a porta a viabilizar o programa do Governo e dar ‘luz verde’ ao instrumento para o pôr em prática, que é o próximo Orçamento do Estado (OE), com José Luís Carneiro a defender que não deve exigir negociações ao Governo antes da entrega do OE 2026.
O caminho do primeiro-ministro, parece, assim, facilitado, face a um PS em choque, que terá de se reinventar para poder voltar ao poder, sendo que continuará a lamber feridas nos próximos tempos. Também não deverá perder de vista que não está em causa apenas a governação dos próximos quatro anos, mas a definição do mapa político da próxima década e que pode ser uma perigosa faca de dois gumes muito para além da próxima legislatura.
As opções de Montenegro ditarão o que será Portugal após 2029. Terá de escolher entre segurar o sistema político tal como o conhecemos, ou abrir as portas à alteração definitiva do atual panorama democrático, dando os argumentos para a extrema-direita ganhar as próximas legislativas.
O líder do novo Executivo deve resistir ao cordão sanitário ao partido liderado por André Ventura e a tratá-lo como um pária. Demonizar o Chega e Ventura só reforça a sua narrativa de outsider e alimenta-o. Não entender isto é não compreender porque mais de um milhão de eleitores lhe confiaram o seu voto.
Talvez, com este aviso em mente, Montenegro, logo na noite eleitoral, assegurou que vai falar com todos, todos, todos – numa alusão ao Papa Francisco – para tentar esvaziar a tentativa de Ventura liderar a agenda política. Um sinal de que estará a abandonar o mantra-promessa do “Não é não!”? Se assim não for, continuará amarrado a uma âncora que inviabiliza qualquer desejo de estabilidade política.
Já como primeiro-ministro indigitado escusou-se a apontar um parceiro preferencial para a legislatura, dizendo ter “uma maioria robusta” e contar com “a responsabilidade de todos”.
Resta saber como se vai posicionar o novo Executivo que agora tomou posse e com melhores condições para exercer o seu mandato de quatro anos. Se vai insistir nos anúncios de medidas e planos de emergência para o SNS, com promessas quebradas que são o terreno fértil para o Chega crescer. Ou se vai dar resposta às questões que movem os eleitores: segurança, habitação, saúde, justiça social, imigração e confiança nas instituições. O Chega deve ser enfrentado politicamente com propostas concretas e reformas sérias, e não desprezando a inteligência dos eleitores.
Montenegro tem os próximos quatro anos para operar uma mudança estrutural no país. A expectativa é grande com a criação do novo ministério da Reforma do Estado, que já vem tarde. É um imperativo para defender a qualidade da democracia, da economia e do contrato social.